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Personalidade do mês – Hélder Pedro, ACAP: “O pós-venda é o setor que irá reagir melhor à crise”

29 Dezembro, 2020

Hélder Pedro defende, há mais de 30 anos, os interesses do setor automóvel em Portugal através da ACAP, onde é o secretário-geral. A sua ação tem sido muito importante para implementar medidas de apoio e incentivo ao negócio dos associados.

ENTREVISTA PAULO HOMEM E NÁDIA CONCEIÇÃO

A Associação do Comércio Automóvel de Portugal, atualmente com 1200 associados, representa todo o comércio automóvel, desde as marcas ao aftermarket, passando pelos concessionários, comércio de usados e também os motociclos, pneus e tratores agrícolas e máquinas industriais. A ACAP tem ainda, atualmente, as sociedades gestoras Valorpneu e Valorcar, e também a AutoInforma, criada em 2000, com o objetivo de produzir e comercializar estatísticas para o setor automóvel e de organizar salões automóveis. Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP, analisa os efeitos da pandemia de Covid-19 sobre o mercado automóvel em Portugal.

A pandemia no setor automóvel como um todo. Sendo secretário-geral da ACAP há tantos anos, nunca tinha visto nada assim?
Estou desde 1988, e como secretário-geral desde 1992. Em 2008 tivemos uma grande crise, em que o setor automóvel foi dos mais afetados. A ACAP, na altura, conseguiu negociar com o Governo o Plano de Apoio ao Setor Automóvel, que tinha um eixo de incentivo à procura que permitiu introduzir em 2009 o Plano de Incentivo ao Abate. Este plano representou 21% do mercado. A crise atual está a ser pior, devido ao impacto que teve, porque interrompeu as cadeias de distribuição, com o encerramento abrupto de fábricas e empresas. Os númerosindicam que o setor automóvel é dos mais afetados.

Na sua  perspetiva, quando teremos um ano com resultados idênticos a 2019?
A expectativa é que daqui a dois anos, em 2022, se possa voltar a valores de 2019, o que seria muito positivo. Mas depende muito do impacto e dos danos causados na parte industrial.

Voltaremos a assistir, como no pós-2008, ao fecho de concessionários e oficinas?
O tecido empresarial, entre 2008 e 2012, foi muito restruturado. E isso levou a que o setor hoje esteja mais resiliente, porque já passou por essa restruturação e os players que estão neste momento no setor têm uma maior capacidade de resistir à crise. Mas tudo depende de como será a recuperação das vendas e do mercado que, se mantiver os números atuais de quebra, poderá dar origem a uma redução de postos de trabalho no setor. É uma situação diferente de 2008,
mas não estamos livres de isso acontecer. Mas, na nossa opinião, o impacto desta crise será menor, comparativamente à crise de 2008.

Das medidas que a ACAP está a defender junto dos organismos públicos para revitalizar o setor automóvel, quais as que destaca?
O papel da ACAP é minorar aquilo que de pior podia acontecer no setor. A ACAP definiu, desde início, dois tipos de medidas, para manter o emprego, por um lado o lay-off, e por outro, permitir manter as tesourarias das empresas através de moratórias de pagamentos de IVA, etc. Estas são medidas tomadas no imediato. Depois, é preciso introduzir medidas de estímulo à procura, que anunciámos ainda antes desta situação, a 4 de fevereiro, com o Plano de Incentivo ao Abate, que incluía um cálculo feito daquilo que é o retorno para o Governo, tanto em termos ambientais – porque estamos a retirar de circulação veículos com uma idade elevada –, como em entrada de valores de IVA e de novos IUC e, por isso, há retorno financeiro para o Governo. Em paralelo, pedimos que a linha para apoio aos veículos elétricos fosse aumentada. Defendemos que o incentivo ao abate não deverá ser apenas para a compra de veículos elétricos, mas também de híbridos plug-in e veículos a gasolina e diesel, que são motores novos e por isso com emissõesmenores do que o veículo que vai ser abatido. Devido à pandemia, estamos a pedir  apoios que também incluam a compra de veículos de combustão interna.

De todas as medidas, algumas foram pensadas exclusivamente em conjunto com a DPAI para apoiar o aftermarket?
A DPAI teve uma atitude muito proativa e ajudou muito o setor, pois, logo em março, enviou um pacote de normas sanitárias para os seus associados, que depois deu origem ao Protocolo Sanitário da ACAP. E defendeu, conjuntamente com a ACAP, que as oficinas e a venda de peças se mantivessem abertas durante o Estado de Emergência. E isso foi conseguido. Por outro lado, tomou uma medida interessante que foi medir, diariamente, a atividade registada no setor.

Considera que o aftermarket vai continuar a ser resiliente, como nos mostra a história?
Sim, o setor está a recuperar, já está a 50%. Isto mostra a resiliência do setor neste período de saída da crise. É um setor que está muito próximo do cliente, que soube trabalhar bem a saída da crise e os números indicam esta recuperação, que não se verifica, por exemplo, na venda deveículos novos. O pós-venda é o setor que irá reagir melhor à crise. O setor das vendas, quer  de novos, quer de usados, precisa de apoio. A nossa proposta de Incentivo ao Abate passa também pela compra de um usado até dois anos, por forma a estimular o mercado de usados.

Investiu-se muito no aftermarket nos últimos anos e o setor cresceu. As maiores empresas também irão ter esta resiliência, no entender da ACAP?
As empresas estão com expectativa na recuperação, logo que existam condições, nomeadamente quando o Índice de Confiança dos consumidores aumente, o desemprego não aumente consideravelmente e haja a consequente recuperação da economia. Tudo depende também doapoio por parte do Governo, que está a preparar um plano europeu de apoio à economia. O comportamento das empresas depende, por isso, daquilo que vier de Bruxelas e do Governo  português.

Falando genericamente do trabalho das mesas associativas: para além dos associados, que benefícios têm trazido estas mesas associativas?
Trouxeram mais visibilidade à ACAP no mercado. E há muito trabalho feito internamente que não é visível, porque nem sempre tornamos visível todo o trabalho que fazemos. Focamo-nos muito no trabalho para os associados e muitas vezes não é conhecido pelo público em geral. A ACAP é uma associação muito peculiar porque funciona como uma federação. Temos um histórico de representação do comércio automóvel de 116 anos. A ACAP sempre foi a associação do comércio, reparação automóvel, peças e acessórios. O nosso modo
de funcionamento é descentralizado, ou seja, temos divisões autónomas, em que cada área de negócio elege a sua própria divisão. E essas divisões, como a DPAI, representam, autonomamente a sua área de negócio. E assim torna-se mais fácil, cada divisão ter a sua atividade, know-how, especificidade e trabalho com osassociados. A DPAI, concretamente, tem sido um caso de sucesso, com uma dinâmica muito significativa e vários grupos de trabalhomuito ativos a funcionar. Conseguiu atrair muitos players do setor. Preferimos  comunicar diretamente com os nossos associados, embora façamos, obviamente, comunicações para o exterior, além da participação em feiras e eventos, mas o nosso objetivo prioritário são os associados.

A ACAP faz estatísticas com as vendas, a DPAI com o observatório. Mas é um setor onde existe ainda muita falta de dados estatísticos. Pode vir a caminhar-se mais nesse sentido na ACAP?
Criamos o departamento de estatística em 1953. Neste momento temos dois aspetos que balizam tudo o que é informação estatística: um deles é a fonte oficial, ou seja, com a lei da concorrência que existe atualmente, uma associação empresarial não pode ter uma estatística feita internamente com os seus associados, terá de ser uma fonte oficial. No entanto, no nosso país, a estatística não sai com a regularidade nem a abrangência que gostaríamos. Por outro lado, temos a limitação de uma associação em produzir estatísticas. Mas, dentro deste enquadramento, a ACAP está a tentar melhorar. Reforçámos, há um ano e meio, o nosso departamento estatístico com novos recursos humanos, precisamente para dar maior capacidade a este departamento. E é por ai que pretendemos seguir.

Qual a importância que teve o Protocolo Sanitário que foi lançado no mês de maio?
O protocolo teve muita importância, porque vivemos um período de excepção. Conseguimos manter a reparação e o comércio de peças a funcionar durante o Estado de Emergência, assim como a reparação em alguns setores que a ACAP representa. Mas pretendia-se que a parte comercial também abrisse e começou a falar-se na primeira fase de abertura, a 4 de maio. Para que o Governo tivesse confiança e permitisse a abertura a esta área de atividade, concluímos que teria de haver este Protocolo Sanitário. Acordámos com o Governo que teríamos um protocolo.A  DPAI tinha já normas sanitárias que tinha elaborado e foi feito um primeiro esboço pela ACAP.

O setor não poderia abrir nessa data se não houvesse este Protocolo Sanitário?
Não poderia. O Protocolo Sanitário foi uma condição para que isso pudesse acontecer. O Protocolo tem normas genéricas da Direção-Geral da Saúde e da Organização Mundial de Saúde, e, para além disso tem uma parte criada especificamente para o setor automóvel, quer na parte da venda, quer da reparação, como por exemplo regras para a desinfeção dos veículos.

Foram a ACAP, a ANECRA e a ARAN a definir este Protocolo Sanitário. Não deviam outras associações, como a ANCIA, a APDCA, a ARAC, ter também assinado este protocolo?
Há duas situações: em primeiro lugar, estamos a falar do comércio e reparação automóvel. Depois, estivemos presentes numa reunião da Confederação do Comércio, e as associações que assinaram o protocolo são membros da Confederação do Comércio. E, por outro lado, o escasso tempo que tínhamos para o realizar. Portanto, esta foi a solução encontrada. Mas permitimos que outras associações utilizem o nosso protocolo, se assim o entenderem. A ACAP também desenvolveu o selo “Estabelecimento Seguro”, que não se destina apenas a oficinas, mas a todas as empresas que tenham porta aberta.

Qual o real valor desse selo?
Os nossos associados pediram-nos imediatamente se não podiam ter algo que demonstrasse que esta empresa está a cumprir o Protocolo Sanitário. E a ACAP tomou a decisão de criar um selo – que não é uma certificação –, que indica que a empresa é membro de uma associação que subscreveu um Protocolo Sanitário que permitiu a reabertura do setor. E a ACAP, como associação, ao enviar o selo, recebe uma declaração por parte da empresa, que se compromete, sob compromisso de honra, a cumprir as normas do protocolo, e a autorizar que a ACAP realize auditorias, aleatórias e gratuitas. No caso do não cumprimento, ajudamos a empresa a cumprir as normas em falta. O nosso objetivo é ajudar e não punir. Não tem custos, porque neste momento não queremos que as empresas tenham custos extra e, por isso, é a associação a dar este selo e a certificar-se que a empresa cumpre o que está no protocolo. Como não existe ainda uma vacina para esta pandemia, estará em vigor enquanto for necessário.

Em relação aos usados, um setor para o qual a ACAP despertou ainda antes da pandemia. A que se deve este facto?
O setor dos usados sempre foi um setor com um grande peso associativo na ACAP. Criámos a Garantia Usado ACAP no início dos anos 80, numa altura em que não havia garantias legais e isso veio credibilizar o setor dos usados. Porque, ao contrário dos novos, este setor tem de ter uma maior credibilização, porque a maioria das empresas têm estruturas mais pequenas e o objetivo da ACAP aqui é trazer parcerias para ajudar as empresas do setor e dar credibilidade à opinião pública, além do combate à atividade paralela. Na Comissão de Usados, decidimos que era altura de retomar o Programa Usado ACAP, que teve e continua a ter uma enorme adesão. É de adesão voluntária, pressupõe a assinatura de um contrato com a ACAP, também sujeito a auditoria. E, com isso, pretendemos credibilizar o setor dos usados, dar confiança ao cliente quando compra um veículo usado, porque é isso que os nossos associados nos pedem. E tem também uma atitude pedagógica, porque, para além de lançarmos o programa, falamos também da legislação do setor. Muitas empresas, pela sua pequena dimensão, desconhecem todas as regras, relativas a contratos, garantias, etc. Isto para além do papel que a ACAP teve, nesta situação de pandemia, na reabertura do setor e na possibilidade da venda de veículos, mesmo durante o Estado de Emergência.

É um setor que tem uma relação muito direta com o setor do pós-venda…
Sim. Há uma proximidade muito grande. Muitos comerciantes de usados têm oficina própria associada ao negócio de usados.

Relativamente aos veículos elétricos, em que medida esta pandemia poderá acelerar o processo de descarbonização e a eletrificação do automóvel?
A posição da ACAP e das restantes associações europeias é que, para acelerar a eletrificação, terá de haver apoio do Estado. Em Portugal temos um valor de incentivo de cerca de metade de outros países europeus. E o valor de um veículo elétrico atualmente ainda não está perto da média do budget dos consumidores portugueses quando compram um carro. Achamos que também deve haver apoios para veículos de motores de combustão interna com baixas emissões, porque isso também é descarbonização. O nosso conceito de descarbonização é mais amplo: para nós está também a retirada de veículos de circulação com 17, 18 anos de idade, para serem substituídos por veículos com motores de combustão com as novas normas Euro 6d-TEMP. Achamos que cada vez mais haverá um aumento da venda de elétricos, embora esta crise possa retardar esse fator. O problema está ainda, também, nas infraestruturas de carregamento.

Perfil
Hélder Pedro chegou à ACAP em 1988 como jurista, em 1989 tornou-se diretor do departamento jurídico, em 1991 passou a secretário-geral adjunto e em 1992 tornou-se secretário-geral da ACAP.

Perguntas rápidas
Qual foi o seu primeiro carro?
Foi um Datsun 1200.
Quantos quilómetros faz por ano?
Cerca de 32 000 quilómetros.
O que mais gosta neste setor?
É um setor apaixonante porque a maioria das pessoas em Portugal gosta de automóveis.
E o que menos gosta?
O facto de se gostar de automóveis pode ser também contraproducente, porque algumas pessoas acham que sabem tudo sobre o setor, mas têm uma visão errada daquilo que é o nosso interesse.
Considera que é importante ir ao terreno visitar os associados?
Sim, é muito importante estar no terreno e visitar os associados, sempre que possível.
O que faz nos tempos livres?
Gosto de leitura, principalmente de temas de história e política.

Artigo publicado na Revista Pós-Venda n.º 57 de junho 2020. Consulte aqui a edição.

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