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Cesvirecambios: 20 anos de economia circular nas peças

Com mais de 20 anos de existência, o CAT – Centro Autorizado de Tratamento de veículos em fim de vida do Cesvimap, conhecido como CESVIrecambios, dinamiza o seu negócio de peças usadas levado a um extremo profissionalismo.

Artigo publicado na edição n.º 118 da REVISTA PÓS-VENDA.

A revista PÓS-VENDA tem vindo, sobretudo nos últimos anos, a fazer uma série de artigos sobre as peças usadas e a economia circular. São cada vez mais os bons exemplos de circularidade nas peças de automóveis, como temos vindo a noticiar, com refrências como o da Sustainera, do Grupo Stellantis, das plataformas de vendas online, da criação do conceito Peça Verde (da ANCAV), da digitalização de alguns centros de abate, do desenvolvimento do software ATENA e o seu contributo para o desenvolvimento deste negócio, entre muitos outros bons exemplos.

Dando continuidade a este assunto, visitamos um dos melhores exemplos de economia circular nas peças de automóveis na Península Ibérica (para não dizer na Europa), que se encontra em Ávila (Espanha), mais precisamente no CAT – Centro Autorizado de Tratamento de veículos em fim de vida do Cesvimap, designado por CESVIrecambios. A empresa opera numa área de 24.000 m², dos quais 7.000 m² cobertos, onde se efetuam as operações de desmantelamento dos automóveis, sendo a restante área para parqueamento dos veículos em fim de vida. Uma das particularidades deste negócio é que a CESVIrecambios só trabalha com veículos provenientes da sua atividade seguradora, nomeadamente com veículos considerados como perda total (salvados). Como o número de salvados é muito superior àquilo que o centro pode suportar em matéria de desmantelamento, a CESVIrecambios fica apenas com 50% (em média) desses veículos sinistrados, sendo os restantes comercializados para outros centros de abate e para outras entidades.

Quer isto dizer que a CESVIrecambios poderá fazer uma seleção mais minuciosa das suas necessidades em termos de peças usadas, isto é, a seleção é feita também entre os carros que possam gerar peças usadas com maior potencial de venda e com maior rentabilidade, tendo em conta as necessidades do mercado e o histórico de vendas das peças.

Dessa forma, a seleção dos veículos para desmantelamento segue regras muito bem definidas (recorrendo-se até à informação que poderá ser dada pelos peritos, aquando o acidente do veículo), pelo que ao CESVIrecambios já só chegam os carros que interessam verdadeiramente ao negócio de peças da empresa. Desde que entram no centro, todos os carros “salvados” são referenciados (através de um código), iniciando-se nesta fase um outro nível de rastreamento. Aliás, percebe-se desde esta fase que todo este negócio de peças usadas da CESVIrecambios está perfeitamente digitalizado, o que permitirá dar um nível de detalhe, em termos de informação, à peça que será vendida mais tarde e que qualquer cliente consulte. Como se fosse uma linha de “desmontagem”, cada funcionário tem um rácio de desmantelamento diário, sabendo exatamente o que irá aproveitar como peça usada para entrar em stock. Por conceito, a CESVIrecambios não aproveita peças que influenciem a segurança do automóvel, por isso na sua plataforma não aparecem à venda peças de direção, suspensão e travagem.

Assim que se começam a desmantelar os veículos, todas as peças são também referenciadas e fotografadas (num espaço próprio e totalmente integrado com o software interno e com a plataforma de vendas), mantendo-se dessa forma toda a rastreabilidade do carro de onde foram retiradas.

Apesar do nível de informatização do processo ser elevado e de o negócio já estar muito especializado, a CESVIrecambios está a desenvolver uma plataforma com inteligência artificial, de modo a que a seleção dos veículos a desmantelar e das peças a aproveitar possa ser ainda mais afinada e mais criteriosa. Após o processo de validação da peça, a mesma segue para um armazém gigantesco e totalmente robotizado (sem qualquer intervenção humana), onde a peça é colocada num local específico (dentro de uma jaula agrupada com outras peças), sendo a operação gerida por suporte informático e por robots.

Com a peça colocada em sistema e já armazenada, a mesma está disponível para venda, sendo que mais uma vez todo o processo está totalmente automatizado. Assim que uma peça for vendida, o sistema identifica a peça no armazém, e a mesma chega (numa das tais jaulas onde se encontra) ao local de expedição, onde é “picada” informaticamente, seguindo para ser embalada e expedida. Quem comprar a peça terá todos os dados sobre a mesma, sabendo exatamente de que carro foi proveniente, com todas as vantagens que isso traz para quem a vai aplicar. Por outro lado, é um garante da qualidade da peça e da forma como ela foi desmantelada.

Curiosidades: Cerca de 50% das peças “produzidas” neste centro são vendidas para fora de Espanha, sendo que a CESVIrecambios, como já foi dito antes, não trabalha com peças de direção, suspensão e travagem. A peça “estrela” são os motores. Porém, nenhum motor é comercializado pela CESVIrecambios sem que a mesma tenha uma ficha de compressão, para além de todos os dados que foram rastreados, de modo a saber-se exatamente a origem do motor. Atualmente, as peças (e motores) associados a veículos comerciais ligeiros (furgões) têm uma procura adicional.

Normalmente, os carros para desmantelamento que vão para a CESVIrecambios têm entre 2 e 12 anos, o que permite à empresa ter uma maior “atualidade” nas peças disponíveis. Até ao momento em que visitamos a CESVIrecambios (junho), a empresa já tinha desmantelado mais de 54.200 veículos (desde o início da atividade), sendo que 816 foram só este ano de 2025. Até à mesma data já tinham sido vendidas 18.623 peças usadas (só em 2025), sendo que foram desmontadas nos carros 23.900 peças que entraram em armazém. Só em 2024, o CESVIrecambios produziu qualquer coisa como 676 toneladas de peças usadas. Atualmente, a plataforma online da CESVIrecambios tem mais de 60.000 referências de peças usadas, sendo que no limite cada uma das peças estará em stock, no máximo, 5 anos.

Como exemplo de sustentabilidade no setor automóvel e de reaproveitamento de componentes, refira-se que foi instalada uma central fotovoltaica no CESVIrecambios em 2023, com 126 painéis ligados a 8 baterias de “segunda vida” de veículos elétricos. Sobre o tema dos veículos elétricos, e considerando que para já ainda não são negócio nesta área das peças usadas, o CESVIrecambios não deixa contudo de aproveitar muitos desses veículos salvados também para projetos de investigação associados ao CESVIMAP (Centro de Experimentação e Segurança Rodoviária da MAPFRE).

Refira-se ainda, no âmbito desta visita, que estivemos também no Centro de Experimentação e Segurança Rodoviária da MAPFRE. Trata-se de um centro tecnicamente muito desenvolvido que permite à empresa dinamizar testes técnicos às viaturas e daí extrair muitos dados e informação para as suas mais diversas operações na área dos seguros e da reparação automóvel.

“AS PEÇAS USADAS CUMPREM A MESMA FUNÇÃO QUE A PEÇA NOVA”
MARIA JOSÉ SAN JOSÉ, DIRETORA DA CESVIRECAMBIOS

Profissional com largo conhecimento do negócio de peças usadas, Maria José San José, é a responsável pelo desenvolvimento de negócio da CESVIrecambios.

Enquadramento do negócio de peças usadas no CESVIMAP, como apareceu, porque apareceu?

Surge da preocupação da MAPFRE em completar o ciclo de vida do veículo com o correto tratamento dos seus resíduos no final de vida útil do mesmo. Assim, transmite ao CESVIMAP esta preocupação e, em meados dos anos 90, começam a ser estudadas as possibilidades para este tratamento.

Qual o contexto das peças usadas no atual contexto das peças novas (originais e aftermarket)?

A peça usada é mais uma alternativa para a reparação. Além disso, trata-se de peças desenhadas pelo fabricante, verificadas e com garantia de funcionamento.

Como se pode dinamizar o negócio das peças usadas (que é muito diferente das peças novas)? O online será a solução ideal para as peças usadas?

O nosso produto é oferecido através de diferentes canais, sejam esses tradicionais e/ou online. Assim, a venda pode ser feita presencialmente, por via telefónica ou online. Atualmente, a venda online é um canal muito utilizado para este tipo de produto, uma vez que as nossas peças estão corretamente identificadas e catalogadas, com a referência original para evitar erros e/ou devoluções.

No âmbito das oficinas, a quem se destinam as peças usadas: oficinas de colisão ou oficinas de mecânica?

Ambas. A nossa oferta de peças engloba peças de carroçaria e também de mecânica, como motor, caixa de velocidades, alternador e motor de arranque. Tanto umas como outras são peças verificadas e com garantia de funcionamento. É de notar que há certos tipos de peças que a CESVIrecambios não comercializa, sobretudo peças que afetem a segurança (suspensão, direção e travões) que não podemos verificar.

Qual o papel das seguradoras na dinâmica do negócio das peças usadas?

Esta linha de negócio está ainda por desenvolver. Atualmente, as peças usadas estão mais concentradas na oficina ou num particular que encomenda uma reparação, o que faz com que o papel das seguradoras seja mais residual.

As peças usadas podem fazer baixar o custo da reparação nas oficinas de colisão?

Sim, na maioria dos casos. As peças usadas são uma opção mais económica, mas que cumprem a mesma função que a peça nova, uma vez que são peças desenhadas pelo fabricante.

O cliente final está sensibilizado para que a reparação do seu carro se faça também com peças usadas?

Primeiro, para a utilização de peça usada numa reparação é necessária a autorização do cliente final. Se este tipo de peça de substituição é cada vez mais usada, é porque o cliente está cada vez mais sensibilizado. Além disso, as novas gerações têm maior consciência social. Cuidar do planeta é, para muitos e cada vez mais, uma prioridade.

Que problemas poderão contrariar a evolução do negócio de peças usadas?

Há veículos que se poderiam salvar (isto é, que não seriam perda total) se fossem reparados com este tipo de peças, uma vez que a reparação ficaria mais barata, oferecendo a mesma qualidade na reparação. Além disso, ao optar por uma peça reutilizável, estamos a contribuir para uma menor utilização de recursos e matérias-primas e, portanto, para o bem-estar do meio ambiente.

Um dos grandes problemas das peças usadas são as vendas online não referenciadas (de origem desconhecida). Como se poderá resolver este problema?

Seja qual for a plataforma de venda, é necessário frisar que apenas os Centros Autorizados de Tratamento estão autorizados a colocar à venda este tipo de peça de substituição. E atualmente existem ferramentas para uma referenciação correta de todas as peças existentes. Por exemplo, o nosso stock está devidamente catalogado, com referência do fabricante, para evitar devoluções desnecessárias.

A eletrificação do parque circulante irá potenciar ainda mais o negócio de peças usadas?

O setor vai avançando, e na CESVIrecambios temos de acompanhar e explorar novas possibilidades de crescimento para os novos desafios. Um exemplo claro são os veículos elétricos.

Como é que as peças usadas podem ganhar maior penetração na reparação automóvel?

Se se fizer como em França, em que 30% de uma reparação tem que integrar peças usadas. Neste momento em Espanha não existe qualquer obrigação.

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