A concorrência entre fábricas de recauchutagem sempre existiu e, por isso, Carlos Marques, CEO da Recauchutagem 31, lamenta que as autoridades continuem a permitir que “os chineses continuem a colocar os seus pneus na Europa sem qualquer restrição e a fazer dumping de preço”.
{ TEXTO CLÁUDIO DELICADO }
Uma das áreas de maior influência no negócio dos pesados é a dos pneus que, com a diminuição dos quilómetros percorridos, viu o consumo perder algum fulgor. Carlos Marques, CEO da Recauchutagem 31, fala do estado atual do mercado, mas também do investimento que fez na sua fábrica. O responsável por uma das marcas com mais tradição em Portugal, a Fedima Tyres, orgulha-se de ter a oferta mais diversificada do mundo em pneus recauchutados. O problema é que não consegue vender os seus pneus para todo o mundo, apesar das constantes solicitações. A concorrência des- leal e as leis de proteção em vários mercados prejudicam o negócio. Desde 1969 já foram produzidos mais de 25 milhões de pneus em Alcobaça.
Que relação tem com as transportadores e as frotas?
Os pesados são uma parte muito importante do nosso negócio. Mas ao longo da nossa história fizemos sempre uma distinção entre postos de pneus e consumidor final. A nossa empresa tem dado preferência aos postos de pneus, com os quais trabalhamos de forma muito próxima. Ao fazer esta distinção não queremos entrar em conflito com os nossos postos e não podemos ir diretamente visitar os seus clientes. É uma opção que fizemos. Porém, o mercado tornou-se demasiado agressivo e praticamente já não há um distinção entre o que é consumidor final e o que é agente. Todos tentam vender a quem quer comprar e esse é um dos problemas do mercado.
Isso é uma consequência da redução de consumo de pneus?
Nos camiões há menos trabalho em toda a Europa, porque há menos quilómetros percorridos e as empresas estão a tentar redimensionar-se para se adaptarem ao mercado que existe atualmente. Já fizemos 55% de exportação e hoje há uma concorrência muito grande, em especial com os pneus chineses, que continuam a entrar com dumping visível, porque colocam no mercado pneus novos a um preço mais baixo do que um pneu recauchutado. Neste momento o problema no setor não é a concorrência entre fábricas de recauchutagem, porque sempre existiu. O nosso grande problema é a facilidade com que entram os pneus chineses, com preços abaixo de custo de produção. Há muitos anos que nos entregámos aos países asiáticos em termos económicos e com isso estamos a destruir o tecido empresarial e riqueza das empresas europeias. É um erro estratégico, com consequências e não vai acabar bem. Insisto que é importante haver algumas barreiras alfandegárias na Europa, porque nós sofremos com isso no sentido oposto. Por exemplo, recebi uma proposta da África do Sul, mas para lá eu não posso vender. Para África, em países como Marrocos e Argélia não podemos vender, mas eles podem vender para a Europa. Não temos proteção nenhuma do nosso mercado.
A pressão incorreta nos pneus
e a carga excessiva continuam
a ser problemas neste setor
Isso fez com a vossa fatia de exportação diminuísse?
Hoje estamos com cerca de 50% de exportação, com o primeiro mercado em França, onde temos um armazém com 2500 m2 e onde estamos há 15 anos. É um mercado muito importante para nós. Em segundo, Espanha (com dois camiões a fazer distribuição direta), e depois a Alemanha, essencialmente com pneus de competição.
Que garantias dão estes pneus chineses que chegam ao mercado europeu?
Tudo tem um preço. Se quisermos qualidade o preço tem que ser diferente. E a grande diferença está na qualidade da borracha, que leva a um desgaste muito rápido dos pneus. Começam a aparecer pneus chineses com qualidade mas já não custam o mesmo preço que os outros. Mas se for uma empresa organizada não anda com pneus chineses porque verifica que os pneus europeus de topo, mais caros na compra, no fim da sua vida, têm um custo por quilómetro mais barato. As empresas com mais dificuldades só se preocupam com o momento e se podem comprar um pneu por 200 euros, não vão comprar por 350 ou 400 euros. Estas estão sempre a protelar e compram produtos mais baratos, mas com resultados piores.
Se não existissem tantas barreiras o negócio seria muito diferente?
Teríamos um volume de negócio muito maior, porque sem essas barreiras, os contactos que temos dos mais variados países do mundo seriam transformados em vendas. Por exemplo, no caso do Brasil, temos solicitações mas não conseguimos vender para lá, mas eles colocam cá produtos na Europa sem problemas.
Hoje um pneu novo chinês consegue
ser mais barato do que um recauchutado
e isso é desleal e irreal
MERCADO
Como está o mercado dos pesados em Portugal?
Um dos problemas é que a área da construção civil praticamente parou. Hoje temos manutenção e obras pontuais no país, mas o grande boom da construção civil ficou no passado. Temos que nos adaptar a um mercado europeu onde existe quase tudo feito, o que diminui substancialmente as obras. Nas mercadorias, estamos numa Europa em crise, porque o poder de compra dos países tem baixado e a restrição do consumo faz com que se transportem menos mercadorias. Isso faz com que a curva de consumo de pneus em Portugal seja descendente nos últimos anos. Isso faz também com que, por exemplo, numa altura de forte crise cheguem ao mercado os grandes distribuidores espanhóis à procura de saídas, que se tornaram ibéricos, mas não há mercado para tanta oferta.
Como é que uma empresa como a Recauchutagem 31, numa época de crise, com uma capacidade instalada que tem, equilibra o negócio?
Fizemos o que qualquer empresa faria: redução de custos. Não há outra hipótese. Fomos obrigados a baixar de três para dois turnos e, consequentemente, tivemos que dispensar algumas pessoas. Mas este ano, contrariamente ao que se esperaria, investimos na área de pesados. Compramos uma nova extrusora e um autoclave para pneus industriais, onde estamos a trabalhar bem com um produto de muita qualidade. Acabamos por estar muito bem nos vários nichos de mercado que trabalhamos, o que nos ajuda a colmatar a descida na venda de pneus para camião.
Prevê que o mercado vá crescer e consiga rentabilizar esse investimento?
Felizmente temos capacidade financeira para o fazer e entendemos que tem que haver uma melhoria no parque de equipamentos que temos. Não podemos parar o investimento e deixar envelhecer a fábrica. Procuramos também ter uma boa mistura entre trabalhadores com experiência e jovens.
Quem são os fornecedores da vossa fábrica?
Nos pisos trabalhamos de forma diversificada devido aos vários nichos de mercado em que operamos. Temos a produção mais variada do mundo em recauchutagem, fazemos de uma jante 10 até 49 polegadas. Trabalhamos com borrachas nacionais, com borracha da Alemanha, de Itália e do Perú e, esporadicamente, com pisos da Índia. Procuramos sempre a relação preço/qualidade.
Continuamos a respeitar a cadeia
de distribuição e só vamos aos postos de pneus
E nas borrachas, é importante para si continuar a trabalhar com empresas portuguesas?
Muito importante, assim elas tenham capacidade de sobreviver no mercado. Hoje também as empresas portuguesas têm vários problemas porque são confrontadas com preços que são muito baixos, por exemplo, na Índia. Eu tenho problemas com a China no produto acabado, mas os meus fornecedores têm um confronto de preço nas matérias-primas com a Índia, por exemplo.
OFERTA PARA CAMIÃO
Como se divide a vossa oferta de camião?
Fazemos molde e pré-moldado. Dentro do molde usamos as borrachas standard e as super-quilometragem para diferenciar a necessidade de se ter um produto que faça uma performance maior. Nos pré-moldados é idêntico, temos os produtos standard, que são uma resposta de preço, e depois temos produtos de qualidade para longa quilometragem para outro tipo de clientes.
Quem procura cada tipo de produtos?
As próprias marcas de topo entraram de forma direta no mercado de frotas e aí nós temos alguma dificuldade, já que uma Michelin, uma Bridgestone, uma Goodyear ou uma Continental vão diretamente às grandes frotas e conseguem fazer uma gestão de custo por quilómetro de pneus novos e recauchutados, onde o recauchutador não consegue entrar. É vendido como um pacote. Entramos com parcerias com essas empresas, em determinadas áreas de negócio. Neste momento está em estudo uma parceria com uma das empresas de topo para fornecermos um produto económico. A nível global somos fornecedores diretos da Euromaster em Portugal (65 centros) e Espanha (310 postos). Com estas marcas procuramos sempre uma oportunidade para entrar com outras linhas mais económicas. O caminho passa por ter um produto económico e um produto de topo.
Continua a resistir em ir diretamente aos vossos clientes finais?
Por enquanto ainda não tomamos essa decisão de ir diretamente às frotas. Temos também os nossos três postos de assistência. O que fazemos é venda diretamente através dos nossos postos para algumas frotas, mas estamos a apostar em postos móveis nos nossos pontos de assistência para ir diretamente ter com os transportadores para lhes dar assistência. Já temos a nível de Alcobaça e vamos avançar para o Porto.
Alguma vez pensou em vender pneus novos?
Não é um caminho para nós neste momento. Temos os nossos postos que vendem alguns pneus novos mas atualmente, pela forma como está o mercado, não pensamos nessa possibilidade e não vamos pelo caminho de oferecer um pacote completo às frotas.
Como evoluiu a qualidade da recauchutagem ao longo do tempo?
O pneu recauchutado é hoje muito diferente porque os equipamentos também vieram alterar tudo. Há 10 anos não tínhamos uma máquina de xerografia. Os equipamentos eram essencialmente manuais e hoje todos são eminentemente automáticos. Os equipamentos que temos permitem-nos apresentar um produto também para a maior exigência das estradas e dos próprios camiões, que tiveram uma grande evolução. Mas para essa exigência é importante a qualidade das carcaças e quando havia só carcaças europeias e de topo era muito mais fácil trabalhar porque a garantia de qualidade do produto recauchutado era superior. Hoje temos que distinguir o que é uma carcaça para fazer longa quilometragem e temos que ter uma seleção muito criteriosa das carcaças dentro da fábrica e distinguir uma para longa quilometragem, uma regional e uma carcaça de obras.
As empresas hoje fazem as contas ao custo dos pneus?
As empresas organizadas são absorvidas pelas grandes marcas que apresentam o processo de custo por quilómetro e aí são os fabricantes de pneus novos que fazem a gestão. Mas isso já não acontece com uma pequena e média empresa. As contas têm que ser feitas a um ano e a médio-prazo para saber se se está a comprar bem.
Hoje só conseguem chegar às pequenas e médias empresas…
Sim, só pode ser assim. Não temos capacidade para concorrer com as grandes empresas porque eles têm esse mercado praticamente blindado. Até porque hoje todos os fabricantes de topo estão a querer este negócio, mesmo os que não tinham grande oferta.
O pneu recauchutado hoje gera maior rentabilidade do que gerava há uns anos?
É indiscutível, embora tenhamos que ter em atenção uma coisa: sem ovos não se fazem omeletes. Se temos uma boa carcaça fazemos um bom trabalho, mas se nos faltam carcaças de qualidade temos mais dificuldade.
Essa triagem é fundamental para o sucesso e imagem da vossa empresa…
Hoje as nossas empresas são certificadas, os pneus entram anualmente em laboratórios de teste para ver a sua resistência e temos auditorias. Pela forma como está hoje o mercado não podem haver falhas. Mas quando vemos um pneu descolado na berma da estrada é preciso ver que não se pode analisar só a carcaça e a recauchutagem, porque depois a empresa é responsável pela utilização e pelo tipo de serviço a que sujeita esse pneu. Nem sempre o problema está do lado do pneu.
Quais os principais erros no uso dos pneus pelos transportadores?
Um deles é a pressão errada, seja pneu novo ou recauchutado, daí ser muito importante a questão do sistema de controlo da pressão dos pneus. Outra é as cargas, e há setores onde se exagera.
Como é que o mercado olha hoje para os pneus recauchutados?
A recauchutagem de pneu de camião tem um peso significativo em Portugal e sempre teve. Hoje estamos reduzidos a 20/25 empresas no mercado que fazem camião.
Acredita que algumas destas empresas de recauchutagem podem em breve começar elas próprias a importar pneus novos chineses?
Ao fazerem isso estão a recauchutar menos pneus. É uma forma de negócio, mas enquanto somos recauchutadores temos que tentar contrariar essa venda de pneu barato, porque se compramos uma carcaça de pneu barato é um produto que não nos dá confiança para a recauchutagem.
O que é que o mercado pode espera da Recauchutagem 31 em 2016?
A Recauchutagem 31 está preparada para uma produção maior e podemos fazer 1000 pneus por dia, dos quais 200 de camião. Hoje estamos a fazer praticamente metade. Estamos preparados para, em qualquer altura, duplicar a produção. A capacidade está instalada, o equipamento é o mais moderno e vamos continuar a apostar na qualidade dos nossos produtos.
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