Pedro Jesus está intrinsecamente ligado ao setor dos equipamentos oficinais, pela empresa que, com o seu pai, ajudou a desenvolver, sempre focada na qualidade e no apoio ao cliente.
Com uma história de representação de marcas premium, com uma forte diferenciação através do acompanhamento técnico e da formação, além da qualidade dos produtos, a Cometil é uma das principais referências no mercado Português ao nível dos equipamentos oficinais, e o seu conhecimento técnico e dinamismo levou-a a ter já representatividade no mercado Espanhol. Pedro Jesus, Administrador da Cometil, explicou à PÓS-VENDA como tem evoluído a estratégia da empresa, e como se está a adaptar às novas realidades do setor, mantendo sempre o foco naquilo que são as necessidades de cada oficina.
Fale-nos um pouco do seu percurso profissional.
A Cometil foi fundada pelo meu pai, que trabalhou toda a vida no setor automóvel, e, em 1985, comecei a ajudá-lo na empresa, a montar as máquinas, a visitar os clientes, a acompanhar na formação. O meu pai sempre esteve muito ligado à formação no setor automóvel em Portugal e este foco da empresa na formação surge a partir daí. A formação sempre esteve integrada no pós-venda da Cometil. Tirei a licenciatura em Engenharia Mecânica Automóvel, mas, em termos de continuidade do negócio, não houve uma data, nem uma transição, foi algo gradual. A Cometil nasceu de forma um pouco diferente da maioria das empresas da concorrência, pois não nascemos como vendedores, mas com a vertente técnica, que veio da experiência anterior do meu pai, que implementou processos na venda dos equipamentos muito baseados neste elemento técnico, e continua a ser essa a nossa diferenciação. À medida que construímos a equipa da Cometil, sempre o fizemos sob uma vertente mais técnica, e não comercial. Ainda hoje temos vinte técnicos para apenas três comerciais. Acreditamos que, com boa formação e assistência, as vendas acontecem. Não há necessidade de imprimir uma estratégia comercial agressiva, baseada em números, descontos, ofertas, mas sim através de uma componente técnica e de informação, de formação, de assistência rápida. Porque tudo isto é um grande argumento para a venda.
Outra questão que também diferencia a Cometil é a relação quase familiar que mantém com as vossas representadas em Portugal…
Sim. São marcas de toda a vida, temos uma relação familiar com os nossos fornecedores. Não somos uma empresa que muda constantemente as marcas com que trabalha, somos fiéis às marcas que temos, e o cliente sabe disso. Cada marca que representamos é para ter continuidade, a menos que existam grandes razões para o deixarmos de fazer. Além disso, normalmente trabalhamos com marcas líderes, por isso não temos motivos para mudar, só se fosse pela vertente de preço, mas não enveredamos por esse caminho. Não temos nenhuma linha de produto vindo da Ásia, e é algo que não está nos nossos planos. Quem nos compra não é por preço, mas por qualidade do equipamento e por serem equipamentos premium, que permitem um melhor retorno do investimento. Este é sempre o nosso foco. Pode ser mais caro na compra, mas depois acaba por ser o mais rentável para o cliente. A marca mais antiga que temos é a Hunter, com a qual começámos a trabalhar em 1985. Somos um dos distribuidores mais antigos do mundo em equipamentos Hunter. A marca sabe que somos cumpridores, que atingimos objetivos e, além disso, somos dados muitas vezes como exemplo pela Hunter em vários aspetos, seja a componente técnica, seja a forma como trabalhamos.
O conhecimento da Cometil das necessidades dos clientes já influenciou algum tipo de desenvolvimento técnico por parte das marcas?
Sim, para todos os produtos que a Hunter faz, há o chamado beta-teste, em que somos convidados para fazer esse teste na Europa. Fazemos sempre um teste inicial e damos o feedback sobre o que nos parece bem e o que poderá ser melhorado. Há uma relação deste tipo com as marcas com que trabalhamos. Recentemente, a Omer, outra das marcas mais antigas que temos, enviou-nos um elevador, que desenvolveu para um patamar budget, para fazermos testes e dar opiniões. Esta boa relação com os fornecedores é fundamental e também é transmitida internamente, porque também somos uma empresa familiar, numa equipa com 33 pessoas em Portugal, atualmente.
Qual o projeto e visão que a Cometil tem para as oficinas? Está focada na rentabilidade?
Sim, rentabilidade versus competências técnicas. Defendemos sempre, em primeiro lugar, o conhecimento do automóvel, saber o que é que necessita, qual o processo, quais as ferramentas e equipamentos necessários para que o serviço se faça com melhor retorno de investimento, ou seja, com maior rapidez e maior rigor técnico, não fazendo coisas astronómicas se depois não há forma de cobrar ao cliente, mas, por outro lado, perceber qual é o nosso objetivo em termos de valores a atingir, e perceber o que podemos fazer, num menor espaço tempo, com a melhor qualidade técnica, nesse sentido. Tem de existir um compromisso entre as duas coisas.
Que novas oportunidades têm surgido ao nível dos veículos e dos equipamentos nesse sentido?
Um exemplo é o aumento dos sistemas ADAS. No entanto, o que temos visto é que há muitos equipamentos, com as suas diferenças, mas, na realidade, não se tira partido de todas as suas capacidades e oportunidades. As oficinas podem ter estes equipamentos, mas muitas ainda não estão preparadas para vender estes serviços. Não falo em executar, porque isso é algo relativamente fácil, mas na parte da explicação, informação, ao abordar o cliente, explicar que é necessário fazer um determinado serviço. A tecnologia na inovação dos automóveis traz-nos oportunidades a todos. As oficinas fazem serviços de manutenção e reparação, e precisam de um equipamento. Portanto, equipamentos versus rentabilidade da oficina têm de andar os dois muito perto. Então, a oficina tem de pensar: o que é que o cliente pode fazer mais na minha oficina? Os carros agora têm esta inovação tecnológica, é preciso acompanhar tecnicamente, com a formação técnica, a ferramenta e o equipamento. Por outro lado, também existe a experiência do cliente, que é hoje cada vez mais valorizada. E aqui falamos da imagem de uma oficina, o aspeto, o mobiliário, a limpeza, a arrumação. É tudo isto que passamos ao cliente, através de layouts 3D, e da criação de processos. É uma educação comportamental, que vamos fazendo junto dos clientes.
Essa educação comportamental está relacionada com a falta de gestão oficial que existe no setor?
Sim. Muitos dos donos das oficinas são excelentes mecânicos, mas depois falta-lhes alguma visão do ponto de vista da gestão, visão empresarial. Porque tudo começa de cima, sempre. Não se pode exigir de um mecânico que tenha competência técnica, que se lembre que tem que arrumar o espaço, ou de fazer outras coisas. A exigência e os procedimentos têm de vir da parte da gestão. E isto vai fazer com que o cliente tenha uma melhor experiência ao ir à oficina. As marcas de equipamentos que temos também trabalharam nesse sentido. Além dos equipamentos, o cliente também percebe que a imagem traz retorno. Um equipamento que produz trabalho que é faturado, é retorno imediato, mas a imagem é algo mais indireto, pois ganha-se a preferência do cliente, a organização, e existe menos desperdício. Há uma série de coisas que se ganha de outra forma.
Na sua opinião, qual a razão para existirem ainda tantas oportunidades no mercado para aparecerem empresas que não dão formação nem acompanhamento técnico?
Continua a existir espaço para o preço. Há sempre um operador de preço, de que todos reclamam, mas acabam por lá ir. É um espaço que não está a diminuir tanto quanto era expectado, com a evolução tecnológica de carros, dos equipamentos. Em Espanha, vemos que existe mais preocupação com a rentabilidade, com a margem, mas é um pouco esquecida a qualidade técnica e o rigor. Penso que, a nível técnico, em Portugal estamos melhor. Além disso, as oficinas Portuguesas gostam de investir no seu negócio esteticamente, com imagem, com equipamentos de topo. Gostamos de ter boa imagem, de ter a boa qualidade do trabalho, mas ainda não sabemos cobrar e tirar o retorno disto. Há coisas que são possíveis de tirar partido, financeiramente, para as oficinas, se apostarem na componente técnica e na imagem.
A Cometil, há muitos anos, esteve principalmente associada aos equipamentos tradicionais, e só depois chegou aos equipamentos de diagnóstico. Foi propositado? Como vêem atualmente esta aérea?
A Hunter, inicialmente, só tinha máquinas de alinhamento da geometria de rodas, que nos foi aconselhando as outras marcas, para outros produtos. Com o passar dos anos, os vários fabricantes começaram a aumentar o leque de oferta. A marca de diagnóstico sempre esteve debaixo do nosso foco, só que, nessa altura, as marcas premium de diagnóstico estavam ocupadas, utilizavam os seus próprios canais. A Gutmann chegou a nós um pouco mais tarde, pois esteve em Portugal através de outro representante e depois de forma direta. Está connosco desde 2012. Já tínhamos dado os primeiros passos com outros equipamentos, com um pequeno rebranding de fábrica, para serviços mais básicos, mas sempre quisemos trabalhar com marcas premium, de acordo com aquilo que valorizamos.
Têm tido um crescimento representativo na área de diagnóstico?
Sim, temos tido um bom crescimento. A venda deste equipamento dinamizou-se muito pela argumentação técnica e porque os nossos clientes procuram o premium, porque já trabalham Hunter, porque nos conhecem e já investem bastante, e, quando querem ter também equipamentos nessa área, escolhem-nos como parceiros. A Hunter e a Gutmann são as que mais destacamos no diagnóstico. Desde que nos dedicámos a esta componente, temos uma equipa dedicada ao suporte técnico para o diagnóstico.
Há algum tipo de equipamentos que ainda faltam no vosso portfólio e que pretendam incluir?
Há vários anos que tentamos ser um fornecedor global, e vamos também acompanhando as tendências do mercado, como são a chapa e pintura, por exemplo. Nesse sentido, a Rotary, que representamos, tem equipamentos de medição de carroçarias. Entrando nas carroçarias, a pintura vem atrás. Já estamos a dar alguns passos nesta área de negócio, já consta do nosso catálogo, mas não é o nosso principal foco. A área das ferramentas de mão também é uma área onde pretendemos crescer. Aqui trabalhamos com a Hazet, como ferramenta premium, e com a Vigor, como marca budget, mas igualmente com qualidade.
Com a transição tecnológica a que estamos a assistir no mercado automóvel, com a eletrificação do parque, o que pode vir a mudar nos equipamentos oficinais?
Um dos requisitos para os elétricos são os elevadores que permitam ter espaço debaixo do carro, para que sejam retiradas as baterias. E nisso a Rotary tem soluções. Depois as mesas elevatórias de retirar as baterias, também a Rotary já o tinha e adaptou para as baterias. Depois a ferramenta de mão, onde a Hazet é líder e tem várias opções. Estas são as três primeiras vertentes do negócio de elétricos que disponibilizámos atualmente.
Isto virá a ter implicação nos equipamentos de pneus?
Sim, e com uma vantagem para as oficinas, pois os veículos elétricos têm motores com binário superior em relação aos carros a combustão, aumentando o desgaste dos pneus. Além disso, são pneus de maior dimensão, mais caros, o que trás mais serviço às oficinas. Por isso, as máquinas de pneus terão aqui um aumento com os elétricos, não só pelas máquinas de montagem e equilíbrio, mas também porque, pelo facto de um carro elétrico não fazer ruído, as sensações de problemas por parte do cliente são maiores. E isto leva a que o condutor pretenda mais serviços e de maior qualidade, trazendo muitas oportunidades para as oficinas. Por outro lado, todos os equipamentos que mexam com extração de fumos, óleos, não serão necessários. A sofisticação de tantos parâmetros das máquinas de diagnóstico também irá diminuir nos elétricos, mas, por outro lado, as máquinas terão de ter uma especificação para este tipo de veículos. Irá subir também o serviço em ar condicionado, pois é necessário para arrefecer as baterias. Tudo isto obriga a que o cliente final já não possa desprezar certos pontos do veículo.
Um dos projetos mais relevantes da Cometil foi a carrinha de formação e demonstração…
Sim. Foi construída a pensar no mercado Espanhol, quando abrimos a Cometil Espanha, em 2014. Isto porque, em Portugal, temos as instalações de São Julião do Tojal e de Santo Tirso, e os clientes normalmente deslocam-se às nossas instalações quando é necessária uma formação, ou resolver outra questão. Mas, em Espanha, temos a sede em Barcelona, apesar de termos pessoas em todo o país, técnicos e comerciais, faltava a parte da demonstração, e a dimensão do país criou essa necessidade. Para resolvermos esta questão, criámos o carro de demonstração e formação. Este veículo foi feito por medida, com um construtor Português, e é algo que também nos diferencia, é, ao mesmo tempo, um carro escola e carro demonstração, que também já foi usado em vários eventos e formações em Portugal.
Têm como estratégia fazer mais investimentos neste sentido?
O investimento mais recente foram dois novos furgões, não para esse equipamento, mas para outros. Um está em Portugal e outro em Espanha, e são também carrinhas de demonstração e formação. A formação e a demonstração ambulante são muito importantes, principalmente para este tipo de equipamentos. Não é possível vender um equipamento destes sem mostrar, só se for um operador que venda apenas por preço, sem qualquer tipo de apoio técnico ou de formação, e nós não vamos por esse caminho.
A formação e a informação técnica que prestam às oficinas é apenas ao nível dos equipamentos?
Não. A formação que prestamos, além dos equipamentos, é sempre formação de tecnologia do automóvel, seja em pneus, alinhamentos, ar condicionado, travões, suspensões, diagnóstico, TPMS e mesmo na parte comportamental, de venda e atendimento ao cliente. Esta última parte cada vez é mais requisitada. A nossa formação não é para ajudar na venda, porque o que queremos é que o cliente tire partido do equipamento que comprou, e que seja adequado ao seu negócio. A formação aos nossos clientes é sempre gratuita, para que tirem partido do que compraram, num patamar avançado de tecnologia, não fazendo apenas o básico. Queremos que o cliente perceba as diferenças e que rentabilidade adicional poderá tirar de cada equipamento. As oficinas multimarca não têm o acompanhamento que tem uma oficina de marca. E nós, com essas formações, acabamos por apoiar muito os clientes, com continuidade. E isso faz com que haja uma grande fidelização por parte desses clientes. A falta de mão-de-obra também leva a que exista muita procura de formação e informação, pois as equipas estão constantemente a mudar de técnicos, e as oficinas contam com o nosso apoio para a formação a essas pessoas.
Considera que as oficinas estão preparadas para os desafios atuais e futuros do setor?
Penso que algumas sim, outras não. No caso daqueles que querem estar na linha da frente e avançar, têm de estar preparados. Os que não apostarem na formação e informação técnica, correm o risco de ver o seu negócio comprometido. Temos visto isto desde sempre, quem não evoluiu, já só faz serviço em veículos mais antigos. Quem quer trabalhar em carros novos, tem de estar atualizado. Outra razão para o fecho de oficinas será também a sucessão, por falta de interesse das gerações mais jovens em dar continuidade aos negócios.
Artigo publicado na REVISTA PÓS-VENDA 109, de outubro de 2024. Consulte aqui a edição.