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“A formação contínua tem um impacto direto e mensurável na performance técnica e comercial da oficina”, Ana Rita Soares, iQ4y

18 Junho, 2025

Ana Rita Soares, coordenadora e Gestora de Formação da iQ4y, explica os desafios, oportunidades e o impacto real da qualificação dos profissionais das oficinas em Portugal.

Quais considera serem os principais desafios da formação no pós-venda automóvel em Portugal atualmente?

O setor do pós-venda automóvel enfrenta atualmente uma profunda transformação, impulsionada pela evolução tecnológica dos veículos, pela digitalização e por novas exigências regulatórias. Um dos principais desafios da formação é a adaptação a esta velocidade de mudança: os veículos estão cada vez mais eletrónicos, conectados e automatizados, o que exige que os técnicos dominem novas competências, nomeadamente em áreas como sistemas ADAS, eletrificação e diagnóstico avançado. Outro desafio crítico é a escassez de mão de obra qualificada. Há uma geração de técnicos a aproximar-se da reforma e uma nova geração que, muitas vezes, não vê a profissão como atrativa. Esta lacuna, combinada com a baixa taxa de entrada de jovens no setor, torna urgente repensar a estratégia de formação. Além disso, existe uma dificuldade no acesso a formação de qualidade, atualizada e acessível, especialmente para oficinas independentes ou de menor dimensão. Falta também uma maior articulação entre entidades formadoras, fabricantes e oficinas, de modo a alinhar os conteúdos formativos com as reais necessidades do terreno.

O que é necessário fazer para que as oficinas e os técnicos invistam mais em formação?

A chave está em transformar a formação de uma obrigação para uma oportunidade estratégica. As oficinas precisam de perceber que investir em formação não é um custo, mas sim uma alavanca direta da rentabilidade, eficiência e fidelização dos clientes. Algumas medidas essenciais incluem: Demonstrar o retorno do investimento (ROI) da formação com dados concretos — como a redução do retrabalho, aumento do número de diagnósticos bem-sucedidos à primeira intervenção e maior ticket médio por reparação; Tornar a formação mais flexível, com modelos híbridos (presencial e online), ajustados à realidade das oficinas que têm agendas apertadas; Incentivar o envolvimento dos fornecedores e distribuidores de peças como parceiros formadores, aproveitando o seu know-how técnico e ligação à inovação; Criar incentivos fiscais e programas de apoio público, que reduzam o impacto financeiro do investimento em formação contínua. Mais do que nunca, as oficinas precisam de integrar a formação como parte do seu plano de negócio.

De que forma a formação regular influencia o desempenho dos técnicos e o serviço prestado pela oficina?

A formação contínua tem um impacto direto e mensurável na performance técnica e comercial da oficina. Técnicos atualizados conseguem identificar e resolver avarias com maior rapidez e precisão, o que se traduz numa redução de tempos de imobilização, menos erros e maior confiança por parte do cliente. Além disso, um técnico bem formado está mais preparado para interpretar corretamente os dados do diagnóstico, interagir com ferramentas avançadas e lidar com os desafios específicos dos veículos modernos — como os sistemas híbridos, elétricos e ADAS. No plano relacional, a formação também melhora a comunicação com os clientes, o que é vital para transmitir confiança e transparência. Técnicos mais informados e seguros das suas competências passam uma imagem mais profissional da oficina, o que se traduz num aumento da reputação e da taxa de retenção dos clientes.

Que indicadores, exemplos ou testemunhos podem dar, que mostrem o impacto positivo da formação na rentabilidade das oficinas?

Há vários indicadores que comprovam o impacto positivo da formação na rentabilidade das oficinas: Oficinas que investem em formação técnica reduzem em média 25% os erros de diagnóstico; A formação permite aumentar a produtividade — técnicos mais capacitados conseguem realizar mais serviços por dia, com menos tempo por intervenção; Existe também um aumento no ticket médio por cliente, sobretudo quando a equipa consegue recomendar serviços adicionais de forma fundamentada; Oficinas com formação específica em VEs e ADAS diversificam a sua oferta e ganham vantagem competitiva, captando clientes com veículos mais recentes e tecnológicos; Muitos clientes valorizam oficinas que “estão a par das novidades” e procuram ativamente essas oficinas, gerando fidelização e recomendação boca-a-boca.

Que competências técnicas e comportamentais, resultantes da formação, consideram mais importantes para as oficinas num futuro próximo?

Competências técnicas prioritárias: Eletrificação automóvel: conhecimento profundo de veículos elétricos e híbridos, incluindo baterias, inversores, motores e sistemas de carregamento; Sistemas ADAS e sensores de segurança ativa: saber calibrar e testar corretamente câmaras, radares e sensores; Diagnóstico digital e leitura de dados: saber interpretar informação de centralinas e trabalhar com software OEM e multimarcas. Competências comportamentais essenciais: Comunicação e atendimento ao cliente: explicar com clareza o que foi feito no veículo e justificar orçamentos, promovendo confiança; Gestão de tempo e processos: otimizar os fluxos de trabalho e agendamentos para melhorar a rentabilidade; Capacidade de adaptação e aprendizagem contínua: o técnico do futuro terá de estar preparado para evoluir ao ritmo da tecnologia.

Como se pode combater a escassez de técnicos qualificados nas oficinas? Que medidas poderiam e deveriam ser tomadas para combater essa escassez?

A solução para a escassez de técnicos qualificados deve ser estrutural, com envolvimento de todo o ecossistema: Revalorização da profissão técnica, desde o ensino secundário, promovendo campanhas que apresentem a reparação automóvel como uma carreira tecnológica, com progressão e remuneração digna; Parcerias entre escolas profissionais, centros de formação e oficinas, criando programas dual (com formação em contexto de trabalho) ajustados às reais necessidades do setor; Apoio ao re-skilling de profissionais de outras áreas técnicas, como eletricistas ou técnicos de mecatrónica, que possam ser integrados no setor; Melhoria das condições de trabalho e ambiente nas oficinas, com investimentos em ergonomia, ferramentas modernas e cultura organizacional mais atrativa.

A formação pode ser uma ferramenta importante na retenção de talento dentro das oficinas? De que forma?

Sim, a formação é um dos principais fatores de retenção de talento nas oficinas. Técnicos que sentem que a empresa investe no seu crescimento profissional estão mais motivados, comprometidos e menos propensos a procurar oportunidades noutro local. Além disso, a formação permite que o técnico veja uma carreira dentro da oficina, com progressão para funções de maior responsabilidade (chefe de equipa, rececionista técnico, gestor de oficina, etc.). Investir em formação é, também, uma forma de diferenciar-se no mercado laboral, numa altura em que a procura por técnicos qualificados é superior à oferta. Ter um plano de formação contínua é um argumento forte na hora de contratar — e sobretudo, de manter — os melhores profissionais.

Qual a formação que tem mais procura atualmente, quer na área técnica, quer não técnica (relacionada com o setor do pós-venda automóvel)?

Na área técnica, os cursos mais procurados incluem: Diagnóstico avançado com base em osciloscópio e leitura de dados OBD; Sistemas híbridos e elétricos: manutenção segura e eficiente de veículos eletrificados; Calibração e diagnóstico de ADAS: com a chegada massiva destes sistemas ao mercado de usados. Na área não técnica, há uma procura crescente por: Formação em receção ativa e gestão da relação com o cliente — essencial para aumentar a satisfação e o valor percebido; Gestão de oficina e controlo de indicadores de performance (KPIs) — ajudando os gestores a tomar decisões mais informadas; Comunicação e venda de serviços adicionais, que contribuem diretamente para o aumento da faturação por cliente. Estas tendências refletem a crescente profissionalização e sofisticação do setor, onde a formação se torna não só uma necessidade, mas um diferencial competitivo.

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