Profissional com larga experiência no setor da formação profissional no setor automóvel, Elísio Silva, Diretor da DUAL, deixa algumas importantes constatações sobre o que se está a fazer e não está a fazer neste área.
Atualmente existem dezenas de entidades de formação neste setor. Na sua opinião, está a ser feita boa formação profissional para a setor da manutenção e reparação automóvel?
Em Portugal, há muita formação a ser feita apenas para cumprir o Código do Trabalho. Uma grande percentagem das empresas não cumpre as horas de formação obrigatórias, e muitas ficam abaixo das 40 horas. As empresas deveriam ser mais cuidadosas no investimento que fazem na formação, e devem perceber o que podem beneficiar com cada formação. Além disso, a oferta de formação em Portugal neste momento está a ser feita por muitas entidades que não deveriam estar a fazer formação. Temos dois grandes problemas, em que o primeiro é que existe muita oferta sem qualidade, seja pelos seus operadores ou pelo modelo que seguem e que dificilmente conseguem cumprir os objetivos a que se propõem como, por exemplo, fazer formação para as empresas sem as envolver minimamente no processo. A falta de técnicos é outro problema e, uma das causas é o facto de Portugal ter deixado de ter um sistema de orientação vocacional. O trabalho de orientação vocacional, que existe na Alemanha, por exemplo, é fundamental para conseguirmos ter jovens em cursos de reparação de carroçarias, mecatrónica automóvel, etc.
Nos próximos 10 anos quais os desafios tecnológicos que poderão impactar a formação neste setor?
Sinto que poderemos passar para um exagero. Ou seja, hoje em dia, temos os técnicos convencionais, que não evoluíram, especialmente na parte das novas tecnologias e que se mantém com os conhecimentos tradicionais. E temos depois os novos técnicos, que consideram que é suficiente saber informática e novas tecnologias. Mas é fundamental terem também conhecimentos de mecânica. Temos dois extremos, com um espaço para especialização, claro, mas começa a haver um nicho interessante na reparação, reprogramação, na área da eletrónica. E estes nichos começam a ser um negócio, não para o cliente oficinal, mas para outras oficinas, que não dominem esta área. Ainda temos muita gente a trabalhar nas oficinas que não sabem o princípio de funcionamento dos sensores, por exemplo. A formação aqui é fundamental, não basta ligar o veículo à máquina. A formação de jovens tem de incluir obrigatoriamente a formação básica, de saber pensar, refletir, analisar, de saber aprender. Porque, mais importante do que os jovens saberem sobre motores no final do primeiro ano, é serem capazes de procurar, de ter método e curiosidade para saber mais.
Os cursos associados aos veículos elétricos são cada vez mais procurados?
Durante muitos anos, estivemos focados na formação de jovens para as empresas. Há cerca de 20 anos, sentimos que havia necessidade de qualificar e requalificar os adultos, e criámos, nos três centros, além da equipa dedicada à formação de jovens, uma equipa dedicada à formação contínua de adultos. Disponibilizamos uma oferta de formação contínua para as empresas, à medida das suas necessidades. O setor automóvel e a maioria das empresas automóvel, especialmente as oficinas multimarca e as independentes, estão conscientes da necessidade de acompanharem a evolução técnica, mas esqueceram-se da evolução dos modelos de negócio, das questões comportamentais, das questões organizacionais. E muitas vezes não percebem porque é que têm bons técnicos e equipamentos, têm clientes, mas o negócio não funciona. No setor automóvel andamos todos muito entusiasmados com a eletrificação. Já fizemos formação com um especialista em elétricos e antes fizemos formação para os nossos formadores. Mas estamos a esquecer-nos que existe uma quantidade enorme de veículos no mercado que não vão desaparecer. Arriscamo-nos a estar todos a pensar nos elétricos e não sermos capazes de dar assistência a um veículo a combustão.