O sistema de ensino da DUAL direciona a sua oferta de acordo com a necessidade das empresas e privilegia a formação dos jovens nas oficinas.
Há 40 anos a prestar formação profissional em Portugal, a DUAL utiliza um sistema de ensino muito focado na aprendizagem através de componente prática realizada pelos jovens nas empresas. Elísio Silva, Diretor da DUAL, explica à REVISTA PÓSVENDA de que forma este sistema de ensino é vantajoso para os profissionais e para as oficinas, e analisa o mercado de
formação profissional em Portugal.
Como surgiu e como define hoje a DUAL?
No início da década de 80, o Governo criou um sistema de educação profissional,
e surgiram as escolas profissionais como as conhecemos hoje. A DUAL é um departamento da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, criado em 1983, para colocar em prática a missão de apoiar a economia alemã e portuguesa em Portugal, através da formação profissional. O projeto teve 12 empresas na sua génese, entre elas a Mercedes e a Bosch. De 1984 até 1994 a formação prática da área automóvel era prestada nas instalações do CEPRA no Porto e, nos primeiros anos a formação era dada integralmente pelos formadores da Bosch. Começámos, nessa altura, o Curso de Eletricidade e Eletrónica Automóvel, que tem hoje o nome de Técnico de Mecatrónica Automóvel. Durante muitos anos, todos os jovens que faziam formação connosco realizavam o estágio nas oficinas Bosch, nas regiões de Lisboa e Porto. A partir de 1988, o IEFP desenvolveu o primeiro curso certificado de técnico de eletricidade e eletrónica automóvel e, a partir daí, começámos a ter os cursos cofinanciados pelo IEFP, momento em que a DUAL ganhou uma nova dimensão, passando depois a fazer formação também fora da rede Bosch.
Em que consiste o sistema DUAL?
Durante muitos anos, enquanto departamento de formação da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Alemã, a oferta formativa era difícil de comunicar aos jovens, mas, com a mudança para
o nome DUAL, passámos a ter como missão tentar mostrar em que consiste este sistema de ensino. O sistema DUAL, inspirado no modelo alemão, funciona em dualidade, ou seja, formação teórica e prática, nas empresas e na escola. Para nós, a formação só faz sentido se o foco estiver nas necessidades das empresas. Neste sistema, as empresas são quem define as necessidades, quer do ponto de vista da quantidade, quer da qualidade, indicando quantos profissionais precisam, para determinado setor, e de que tipo de conhecimentos necessitam estes profissionais. Entendemos que o jovem que está a fazer formação deve ter a maior percentagem de tempo possível nas empresas. Além disso, a formação na empresa deve estar distribuída da forma mais homogénea possível durante o curso. Mais de metade dos cursos que temos para jovens são cursos de aprendizagem, e o curso de Técnico de Mecatrónica Automóvel tem o plano curricular exatamente igual a outros centros de formação. Neste momento temos centros
de formação em Lisboa, Porto e Portimão e, no curso de mecatrónica temos cerca de 400 alunos por ano, 200 em Lisboa e 200 no Porto.
Quais são os pilares que sustentam o sucesso e a credibilidade da DUAL?
O que nos distingue é que não somos um centro de formação profissional, somos uma Câmara de Comércio que faz formação profissional a pensar nas empresas. E, sendo um representante da
economia alemã em Portugal, o nosso foco principal é mesmo esse: a economia alemã em Portugal. Ou seja, não fazemos formação apenas por fazer, mas a pensar nas empresas. Assumimo-nos como uma entidade que não está focada numa única área. O curso de Técnico de Mecatrónica Automóvel é o principal, sendo o único que repetimos todos os anos e o único
em que todos os anos iniciamos mais do que uma turma.
Qual a oferta formativa que a DUAL disponibiliza atualmente para o setor da manutenção e reparação automóvel?
Além do curso de Técnico de Mecatrónica Automóvel, muitos dos nossos outros cursos são também passíveis de serem aproveitados para o setor automóvel. O curso de gestão administrativa também está ligado à área automóvel, pois inclui-se na componente de gestão. Cerca de metade dos estagiários do curso de gestão administrativa estão a estagiar na área
automóvel. A Sociedade Comercial C. Santos, por exemplo, é um dos nossos parceiros no curso de gestão administrativa. Temos realizado também os cursos de Técnico de Manutenção
Industrial, Técnico de Eletrónica/Automação e Comando, por exemplo. Na DUAL, estamos alinhados com o quadro nacional de qualificações, 90% da nossa oferta segue o catálogo. Este
sistema em Portugal está muito bem montado, com uma plataforma onde é possível ver as formações e certificações feitas. E na DUAL estamos alinhados com isso, temos uma oferta formativa que vai ao encontro das necessidades do mercado. Todos os anos fazemos um
levantamento das necessidades, e todos os anos a ajustamos conforme necessário.
Que meios técnicos têm nas vossas instalações para dinamizaram a formação para a setor da manutenção e reparação automóvel?
Temos oficinas em Lisboa e no Porto, com tudo o que consideramos fundamental para as ações de formação. Além da oficina, temos também o laboratório de eletrónica e o laboratório de informática, além das salas de aula convencionais. As nossas oficinas estão suportadas com
equipamentos de diagnóstico Bosch e os nossos formadores frequentam as ações de formação da Bosch.
Qual o grau de empregabilidade dos cursos dirigidos ao setor automóvel?
A taxa de empregabilidade está em mais de 90%, nos alunos que realizam os estágios nas empresas. A nossa grande missão tem sido explicar às empresas que o investimento num jovem estagiário não implica qualquer risco, muito pelo contrário. Quando uma empresa antecipa uma necessidade de recrutamento, acolher um destes jovens significa que irá ter um jovem a aprender, tanto a componente técnica como a cultura da empresa, e que, no final do curso, tem um jovem com formação técnica, com o 12.º ano, que fez a formação na empresa e já a conhece e, se a empresa decide ficar com o jovem, o risco que corre é zero. É, sem dúvida, a melhor forma do setor automóvel recrutar. O que os jovens aprendem connosco é apenas a base, porque é nas oficinas que aprendem a maioria do conteúdo. Todas as semanas os jovens fazem um
relatório de estágio e entregam ao tutor. Uma pequena percentagem destes jovens segue o ensino superior, mas uma grande parte fica nas empresas em que estagiou. E muitos mantém-se nessas empresas durante muitos anos. Entendemos a fase de colocação de estagiários nas empresas
como se estivéssemos num processo de recrutamento de um colaborador para a empresa. Começamos por contactar as empresas, ou as empresas que necessitam contactam-nos, e, em alguns casos, disponibilizam-se para apresentarem o seu projeto à turma, depois, como já
conhecemos a maioria das empresas, analisamos o perfil de cada aluno e a que empresa se irá adaptar melhor. Selecionamos alguns alunos e marcamos entrevistas nas empresas. É sempre a
empresa que escolhe o estagiário que irá receber. Além disso, desenvolvemos uma formação para tutores, que são os técnicos que acompanham os formandos. Que é uma função fundamental, especialmente nas grandes empresas, tanto para a formação, como para a integração de novos colaboradores. A DUAL oferece uma edição por ano deste curso, com
40 horas de duração e quatro módulos.
Os cursos associados aos veículos elétricos são cada vez mais procurados?
Durante muitos anos, estivemos focados na formação de jovens para as empresas. Há cerca de 20 anos, sentimos que havia necessidade de qualificar e requalificar os adultos, e criámos, nos três centros, além da equipa dedicada à formação de jovens, uma equipa dedicada à formação
contínua de adultos. Disponibilizamos uma oferta de formação contínua para as empresas, à medida das suas necessidades. O setor automóvel e a maioria das empresas automóvel, especialmente as oficinas multimarca e as independentes, estão conscientes da necessidade de acompanharem a evolução técnica, mas esqueceram-se da evolução dos modelos de negócio, das questões comportamentais, das questões organizacionais. E muitas vezes não percebem porque é que têm bons técnicos e equipamentos, têm clientes, mas o negócio não funciona. No setor automóvel andamos todos muito entusiasmados com a eletrificação. Já fizemos formação com um especialista em elétricos e antes fizemos formação para os nossos formadores. Mas estamos a esquecer-nos que existe uma quantidade enorme de veículos no mercado que não vão desaparecer. Arriscamo-nos a estar todos a pensar nos elétricos e não sermos capazes de dar assistência a um veículo a combustão.
Atualmente existem dezenas de entidades de formação neste setor. Na sua opinião, está a ser feita boa formação profissional para o setor da manutenção e reparação automóvel?
Em Portugal, há muita formação a ser feita apenas para cumprir o Código do Trabalho. Uma grande percentagem das empresas não cumpre as horas de formação obrigatórias, e muitas ficam
abaixo das 40 horas. As empresas deveriam ser mais cuidadosas no investimento que fazem na formação, e devem perceber o que podem beneficiar com cada formação. Além disso, a
oferta de formação em Portugal neste momento está a ser feita por muitas entidades que não deveriam estar a fazer formação. Temos dois grandes problemas, em que o primeiro é que existe muita oferta sem qualidade, seja pelos seus operadores ou pelo modelo que seguem e que dificilmente conseguem cumprir os objetivos a que se propõem como, por exemplo, fazer formação para as empresas sem as envolver minimamente no processo. A falta de técnicos é outro problema e, uma das causas é o facto de Portugal ter deixado de ter um sistema de orientação vocacional. O trabalho de orientação vocacional, que existe na Alemanha, por exemplo, é fundamental para conseguirmos ter jovens em cursos de reparação de carroçarias, mecatrónica automóvel, etc.
Grande parte da formação neste setor tende a ser promovida por grupos de retalho, grandes grossistas de peças. Trabalham com algum destes grupos?
Não. Fomos contactados e chegámos a assinar um protocolo para desenvolver formação para uma rede de retalho, mas sem sucesso. Continuamos a ter uma boa relação com estas redes na formação de jovens.
Nos próximos 10 anos quais os desafios tecnológicos que poderão impactar a formação neste setor?
Sinto que poderemos passar para um exagero. Ou seja, hoje em dia, temos os técnicos convencionais, que não evoluíram, especialmente na parte das novas tecnologias e que se mantém com os conhecimentos tradicionais. E temos depois os novos técnicos, que consideram
que é suficiente saber informática e novas tecnologias. Mas é fundamental terem também conhecimentos de mecânica. Temos dois extremos, com um espaço para especialização, claro, mas começa a haver um nicho interessante na reparação, reprogramação, na área da eletrónica. E
estes nichos começam a ser um negócio, não para o cliente oficinal, mas para outras oficinas, que não dominem esta área. Ainda temos muita gente a trabalhar nas oficinas que não sabem o princípio de funcionamento dos sensores, por exemplo. A formação aqui é fundamental, não basta ligar o veículo à máquina. A formação de jovens tem de incluir obrigatoriamente a formação básica, de saber pensar, refletir, analisar, de saber aprender. Porque, mais importante do que os jovens saberem sobre motores no final do primeiro ano, é serem capazes de procurar, de ter método e curiosidade para saber mais.
Artigo publicado na REVISTA PÓS-VENDA 90, de março de 2023. Consulte aqui a edição.