Desde cedo em contacto com o setor, o atual CEO da Leirilis, Saulo Saco, gere os destinos da empresa, através de uma estratégia de inovação e foco na tecnologia, formação aos parceiros e sustentabilidade ambiental.
ENTREVISTA PAULO HOMEM – NÁDIA CONCEIÇÃO FOTOS MICAELA NETO
Passou por todas as funções da empresa. Atualmente é o responsável máximo pelos destinos da Leirilis, empresa que começou em Leiria, mas que já está também presente em Lisboa, no Porto, em Coimbra e muito recentemente chegou à Ilha da Madeira, onde pretende dinamizar o seu enorme leque de serviços. Saulo Saco, CEO da Leirilis, fala para a revista PÓS-VENDA, sobre o presente e o futuro da empresa, mas também do mercado que já não é apenas de peças.
Como é que caracteriza atualmente a Leirilis? Pela sua dimensão, pela forma como compram e como vendem, considera que são um grossista ou retalhista?
Penso que essa questão retalhista/grossista tem tendência a unificar-se, desapareceu um pouco o que é o retalhista e o que é o grossista. Vejo a Leirilis não como um retalhista ou grossista, mas sim como um operador que está aqui para satisfazer as oficinas, é esse o nosso público-alvo. Independentemente se o canal é direto ou se temos intermediários pelo meio, o nosso objetivo é sempre o de satisfazer a necessidade do cliente. O fabricante pode não nos vender em Portugal, mas haverá alguém fora do país que nos vai vender. Hoje em dia é muito fácil pela internet encontrar quem venda, qualquer pessoa compra online e recebe o material.
O conceito tradicional de distribuição hoje em dia praticamente morreu: fábrica, grossista, retalhista, oficina. Deixou de acreditar nessa lógica?
Ainda existem alguns operadores que tentam preservar essa forma de distribuição, mas o mercado está a mexer-se no sentido contrário, ou seja, temos muitos importadores a começar a visitar oficinas, e vemos o pequeno retalhista também a juntar-se em grupos para conseguir ter capacidade de comprar mais e melhor. O mercado está a modificar-se.
É, no fundo, a procura da rentabilidade. Queimam-se algumas etapas. Mas não se corre o risco de, em vez de se aproximar do cliente, distanciar-se?
Pode haver duas perspetivas, ou seja, a compra pela internet, ou em plataformas B2B ou B2C, e aí a relação não existe, ou seja, tenho um ponto de distribuição, os clientes compram por preço, ou posso ter vários pontos de distribuição, e tentar juntar a esses pontos de distribuição um serviço. Ou seja, o acompanhamento comercial, as visitas de cortesia, há todo um leque de serviços que se podem fazer.
A Leirilis está exatamente a fazer isso, além das peças, aposta na formação, nos equipamentos, nas redes e na área ambiental. O que vem a seguir?
Toda a Leirilis acredita que só vender peças não chega. Hoje em dia temos muitos operadores a fazê-lo. Para nos distanciarmos, temos duas hipóteses: ou vamos pelo preço, mas por aqui nunca vamos ganhar, ou então temos de ir pelos serviços. A entrega da peça é um serviço, mas nós procuramos outros serviços que as oficinas precisam, para os fidelizar. Todos os serviços que apresentamos, fazemo-lo numa perspetiva de fidelização. O objetivo é vender peças.
O que falta para serem um fornecedor global das oficinas?
Os pneus… e as obras para ampliar o espaço aqui em Leiria. Os pneus são um dos produtos que ainda não temos. Num futuro próximo será um dos produtos que poderemos encaixar. A chapa não temos, mas pelo facto de serem necessários grandes armazéns, não é algo que nos interesse. Os operadores de pneus estavam muito dedicados às casas de pneus, e a tendência de hoje em dia é que as oficinas já querem ter pneus, querem vender pneus como uma outra peça. E aí já temos o cliente. Se já vendemos pastilhas, discos, etc., porque não vender também o pneu? Por exemplo, quem compra chapa já não terá interesse em comprar pastilhas. Mas quem compra pastilhas poderá comprar-nos pneus. Por isso é que os pneus se encaixam bem na nossa estratégia. A chapa é quase um subsetor. Nós tínhamos os faróis mas acabámos, porque não se encaixava. Quem compra um farol precisa de chapa. Tem mais a ver com a colisão em si.
Há operadores no vosso ramo que entraram na repintura e representação das tintas. Isso nunca foi do vosso interesse?
Não.
Nos últimos anos têm vindo a reforçar a vossa presença fora de Leiria, em Coimbra, Lisboa e Porto. Está previsto irem para outras zonas?
No Porto estamos a consolidar a estratégia, vamos começar as obras porque arrancámos apenas com armazém. Não tinha serviço, era só uma questão de proximidade, satisfazer o cliente rapidamente, não havia uma loja aberta ao público. Vamos agora avançar com a loja e com o centro de formação.
Dentro desta lógica de crescimento a aposta é só no Porto?
Avançámos agora também na Madeira, não como Leirilis mas com a compra de uma empresa, a Pneuimpex. Adquirimos uma parte do capital. Analisámos o projeto, achámos interessante e é o que iremos fazer.
Irá ter o nome Leirilis?
Vamos ter uma designação do grupo, Grupo Leirilis e depois Pneuimpex. Vamos arrancar com o portal e com a visita às oficinas.
É a vossa primeira experiência na zona da Madeira?
Sim. Interessou-nos também para começarmos a ter uma aproximação à área dos pneus. Há um conjunto de sinergias que podem ser vantajosas para ambas as empresas.
Falou-nos das novas instalações em Leiria. Qual é o intuito? Congregar tudo no mesmo local?
Neste momento o armazém da nossa sede é o mais pequeno que temos. Temos dificuldade de arrumação, o que nos causa alguns transtornos na parte operacional. Estamos aqui há 12 anos. Em 2014 tomámos a decisão que seria necessário mudar. O projeto vai agora avançar. Nessas instalações vamos avançar com o centro de formação, armazém de peças, apoio técnico e escritórios. Ou seja, tornar a operação mais leve do ponto de vista operacional. Temos os departamentos divididos pelos dois locais e isto não é comportável. E o nosso armazém atualmente não tem capacidade, se necessitarmos adicionar uma marca, já não temos espaço na sede.
Têm feito muitos investimentos do ponto de vista da tecnologia, mas a proximidade da oficina continua a ser importante, certo?
Sim. Cerca de 80% do negócio é a relação com o cliente. Temos uma equipa comercial a visitar as oficinas constantemente: 10 vendedores, um coordenador, mais uma pessoa com a parte dos conceitos oficinais. Estão constantemente no mercado a acompanhar os clientes. Mantemos o melhor de dois mundos, o online e a proximidade com o cliente.
Há dois anos o online representava para vocês cerca de 53%…
Sim. Anda à volta dos 60%. Está estável.
Porque não cresce mais?
Temos clientes que nunca vão utilizar estes meios. Utilizam o portal, mas encomendam por telefone. Por muito que o mercado evolua, vão sempre existir pessoas que irão estar reticentes com determinados processos. Temos o portal, temos feito investimentos para tentar melhorar. Temos de estar preparados para isso.
Criámos um call center e estamos a melhorar o atendimento devido ao volume de chamadas. Temos várias plataformas, mas muitas pessoas continuam a preferir ligar. Há um grau de confiança que é necessário ainda conquistar.
Continuam a apostar muito em balcão…
Sim. Os nossos balcões são fortes. Há clientes que vêm diariamente. Penso que pela relação de confiança. Quando nos visitam, sabe que se algo correr mal, facilmente resolvem o problema.
Qual o fator que mais contribui para a venda de peças? O online, a presença física, o preço?
Penso que é o conjunto dos fatores. Não há nenhum mais importante. Se tivermos preço, mas mau serviço, vai correr mal. Podemos ter os melhores produtos, mas se não tivermos comerciais, também não resulta. Logicamente que a relação com o cliente é muito importante, mas também temos de ter stock, preços, tudo. Esse conjunto de fatores é que diferencia as empresas. Não há nenhuma empresa igual. Cada uma tem a sua estratégia. E é esse conjunto de fatores que faz com que algumas tenham mais sucesso.
Relativamente ao mercado português, qual a sua opinião sobre a evolução do negócio aftermarket nos últimos dois anos, em que alguns grossistas assumem “novas” posições?
Penso que isso é reflexo do crescimento do mercado, da sua evolução. Há coisas boas e outras más. Não há mercados perfeitos.
Era expectável assistir a este conjunto de investimentos no setor?
Sim. E penso que vai continuar. Se olharmos para as origens, elas estão também a avançar, a entrar no aftermarket. Se o aftermarket tradicional parar, irá ficar a perder. E mesmo assim o mercado português ainda não aderiu muito ao online B2C, se não o negócio tradicional de peças iria perder bastante.
Tendo B2B não equacionam ter um B2C?
Neste momento não faz sentido. Se estamos aqui para defender a oficina, não podemos dar ferramentas ao cliente, isso iria estragar o negócio da oficina. Não queremos fomentar essa realidade. Logicamente que estamos atentos e se o mercado evoluir por aí, também estaremos preparados para o fazer.
Há pouco falávamos dos novos modelos de distribuição. Como é que analisa isto? Este negócio consegue integrar diferentes conceitos ou há muito experimentalismo?
Há sempre algum experimentalismo. Penso que tem a ver com a oficina querer fazer trabalho global. Antigamente havia o eletricista, o mecânico, etc. Houve uma tendência nos últimos anos em juntar tudo. A oficina hoje em dia tem de fazer todo este tipo de trabalho. A perspetiva é: se já vendo uma peça para esta oficina, levo também outras. Penso que este tipo de perspetiva faz com que haja a introdução de novas gamas de operadores que não estavam em determinada área e começam a estar. A área dos pneus e mecânica, mais tarde ou mais cedo vai unir-se. O pneu será visto como uma outra peça. Também já vemos os grossistas de pneus à procura de peças. Também teremos concorrência aqui.
Não é investimento excessivo num mercado que não cresce em termos de número de oficinas?
Nos próximos anos irá haver alguns operadores que deixarão de existir porque se irão juntar a outros. Não é suportável ter tantas casas de peças. Mais tarde ou mais cedo isto irá modificar-se. Penso que é uma tendência do mercado.
Os grandes operadores estão a agregar as melhores oficinas. Qualquer dia estarão muitas integradas em redes e relacionadas com o seu fornecedor de peças. O mercado vai diminuir?
Sim, a própria oficina também faz investimentos para ganhar mais clientes. Porque os carros também não aumentam tanto.
Em termos de mercado oficinal em Portugal, qual a sua opinião?
Penso que, numa perspetiva geral há muitas oficinas a tentar modernizar-se, a ter formação, nota-se muita procura na formação. Mas também existem as que não têm interesse em investir. Temos reparado que existem oficinas à procura de novas áreas de negócio, preocupadas com a angariação de clientes.
As oficinas de vão de escada vão continuar a proliferar?
Sim, as oficinas de vão de escada, os biscateiros.
Isto interessa ao mercado?
A nós não nos interessa. Mais tarde ou mais cedo isto dificulta a vida às oficinas, que investem em formação e pagam impostos. Há custos que as oficinas de vão de escada não têm e as outras têm. Teria de existir uma maior fiscalização a nível estatal.
Porque acha que não se implementam novos tipos de medidas?
As associações podiam fazer muito mais. Os meios de fiscalização são muito poucos.
Com o avanço tecnológico irá ter de diminuir o número de oficinas….
Pode ser assim, em algumas oficinas de vão de escada, mas há muitos profissionais que trabalham numa oficina de marca e fazem alguns biscates em casa. E esses têm acesso à tecnologia e formação.
Como vê o crescimento das redes oficinais?
Hoje em dia é uma necessidade. Tenho visto que há oficinas que estão dispostas a ouvir e a tentar entender os benefícios para aderir. Essa abertura é importante e faz com que o nosso trabalho seja mais fácil. Claramente as redes são fundamentais para o futuro.
Já dinamizam os conceitos Bosch Car Service, Auto Crew e agora Red Service, como nasce esta última?
Este terceiro conceito surge por vários fatores. Primeiro porque achámos que teríamos capacidade de ter o nosso próprio conceito, em vez de dinamizar só o conceito do fabricante. Outra coisa é podermos moldar o conceito à nossa imagem. Depois existe a questão de haver falta de um conceito. Isto porque há limitações geográficas para as redes, e alguns clientes pretendiam aderir e não lhes era possível. Para não perdermos o cliente, achámos que seria altura de lançar o nosso próprio conceito.
Nestes 6 meses como tem corrido?
Bastante bem. Neste momento são 14 oficinas, esperamos chegar às 25 no final do ano. Mas a nossa preocupação é chegar com boas oficinas e não apenas um número. Não faz sentido abrir à pressa. O resultado que estamos a ter, medindo pelas compras, estamos com um crescimento altíssimo, e as oficinas também estão contentes com tudo o que temos feito, nomeadamente parcerias com empresas.
E não colide com os restantes conceitos oficinais?
Com Bosch Car Service não colide. Pode colocar-se esta questão com o Auto Crew, mas temos de ser profissionais e, se representamos os dois, damos as vantagens de um e de outro para o cliente optar. Em qualquer rede o objetivo é vender peças. Mas não pode ser só isso. Temos de arranjar forma de arranjarem mais clientes.
Também vendem equipamentos Bosch. É uma área importante da vossa atividade?
Sim. É um complemento. Temos dois técnicos a fazer acompanhamento às oficinas na parte dos equipamentos. É uma área onde estamos constantemente a investir. Esperamos continuar com esta área, onde também temos outros equipamentos, ferramentas e vendemos equipamentos de outras marcas também.
Lançaram o conceito Red Waste, de formação e consultoria na área ambiental…
A Red Waste é uma sociedade que faz a gestão de resíduos. Surgiu pela questão das baterias que começámos a receber. Temos um engenheiro que faz uma primeira abordagem e uma análise às oficinas, numa perspetiva de fazer a gestão dos resíduos. Tentamos juntar sinergias, ligar a compra de peças à gestão dos resíduos. Recolhemos filtros de óleo, todos os resíduos que a oficina produz. Fazemos tudo, incluindo o transporte.
Quais as vossas expectativas para essa área de negócio? Fazer um acompanhamento às vendas ou explorar de forma autónoma?
Neste momento a empresa é autónoma mas pode evoluir, pode trabalhar com clientes que não sejam da Leirilis. Quando criámos a empresa focámo-nos nos resíduos que a empresa produz, o licenciamento é para este tipo de resíduos. Mas não tem de ser cliente da Leirilis.
Outra área onde apostaram foi o portal web. Foi um momento decisivo na vossa atividade?
Lançámos o portal de venda de peças em 2008. Hoje está completamente diferente. Hoje em dia, se retirássemos o portal, seria difícil para os nossos comerciais trabalharem. É fundamental.
Como é que vê a evolução dessas plataformas?
O futuro passa por integrações, com sistemas de faturação. Se preciso da peça, identifico-a e imediatamente, tenho-a faturada no sistema, envio-a, etc. Mas não nos interessa evoluir mais rápido do que aquilo que o mercado consegue absorver.
Têm o programa de fidelização Xpoint, como está a correr?
É um programa de pontos em que o cliente, ao comprar à Leirilis, tem um benefício. Está a correr bem. Traz benefícios e não tem qualquer custo. Temos alguns projetos para tentar evoluir com outros programas de outros operadores, tentar que os pontos possam ser utilizados com outros parceiros.
Na área dos produtos, o que representa a Bosch no vosso negócio?
Representa bastante. É uma relação estratégica que esperemos que dure. É o fornecedor principal, tem um peso enorme. Tem acompanhado o crescimento da empresa.
Vão existir novidades na área dos produtos?
Pode existir alguma marca ou outra que possamos encaixar como complemento de gama… mas só com as novas instalações.
Têm vindo a introduzir novos produtos com a vossa marca própria, a Sacorge…
Sim, temos introduzido motores de arranque, alternadores, baterias e turbos.
Esta marca vai crescer para outras linhas?
Neste momento não está nada planeado nesse âmbito. É um projeto que está a correr bastante bem.
O que representa esta marca no vosso negócio?
A Sacorge aparece pela questão dos motores de arranque e alternadores. Tínhamos os melhores de cada marca, não fazia sentido. Decidimos criar uma marca, ter alguns fornecedores, e encaixámos os melhores produtos. Não é uma marca preço, queremos que tenha qualidade. Tem cerca de 500 referências. Resolvemos também ter baterias, e agora os turbos.
Continuam sempre com fornecedores de qualidade. O mercado não pede um preço mais económico?
A aposta é na qualidade. O mercado não nos procura esse tipo de produto.
Como vê o futuro da Leirilis?
Definimos objetivos internos ate 2020, que queremos atingir. Vamos trabalhar para isso.
Quantos trabalhadores têm atualmente?
Temos 57 pessoas.
Formação
O vosso centro de formação existe há 6 anos. Trouxe valor acrescentado às oficinas?
Penso que é sempre difícil avaliar isso, materializar em números. Penso que é uma aposta ganha pelo feedback que recebemos das oficinas, que procuram a formação. É fundamental a oficina estar preparada para poder reparar os carros.
Associarem-se à Bosch foi importante para se iniciarem na formação?
Estamos com a Bosch quase desde sempre, para nós faz sentido, é uma referência na qualidade, o que nos ajudou também a avançar com a área da formação e a chegar ao mercado. Dá-nos mais credibilidade.
Perguntas rápidas
Qual foi o seu primeiro carro?
Um Peugeot 206.
Quantos quilómetros faz por ano?
Faço entre 35.000 e 40.000km.
O que gosta mais neste setor?
O dinamismo do setor. O facto de haver sempre algo novo.
E o que menos gosta?
A agressividade de alguns operadores, em termos de vendas.
É importante ainda ir ao terreno?
Claro que sim. É fundamental para percebermos e sentirmos as necessidades das oficinas.
O que faz nos tempos livres?
Andar de mota e estar com a família.
Perfil
Saulo Saco é atualmente CEO da Leirilis. A empresa foi fundada pelo pai e um ex-sócio, por isso desde cedo sempre esteve habituado ao setor do aftermarket. Passou por todo o percurso dentro da empresa, do balcão ao armazém, enquanto tirava o curso de Gestão.