Com a integração das várias soluções que disponibiliza para o pósvenda automóvel, o Grupo Solera pretende agilizar todo o processo de manutenção e reparação de veículos.
ENTREVISTA PAULO HOMEM E NÁDIA CONCEIÇÃO
O Grupo Solera tem vindo a desenvolver soluções cada vez mais variadas e complementares, para as oficinas, seguradoras, gestoras de frota e rent a car, por forma a tornar mais rápido, preciso e rentável todo o processo de reparação de veículos. Em entrevista à revista pós-venda,
Tiago Ribeiro, Business Unit Manager Portugal da Solera, explica as vantagens
destas soluções, e os projetos atuais e futuros da empresa, que passam também
pela integração da Inteligência Artificial.
Que serviços fornece a Solera em Portugal relacionados com o pós-venda automóvel?
Numa primeira fase, trabalhávamos mais numa ótica de sinistros, colisão e reparação, que sempre será a solução principal que disponibilizamos ao pós-venda. Para além de mantermos o foco no core do nosso negócio, ligado à orçamentação de danos, outras áreas como as da telemática entraram no nosso portfolio, com o objetivo de estarmos presentes a montante, também na prevenção do risco de colisão. Para isso, adquirimos a empresa eDriving. A maioria das soluções que a Solera disponibiliza dizem respeito à orçamentação para o mercado apósvenda, como o Drive, uma solução local, que foi integrada no Solera Auto, uma solução ibérica, as quais migrarão, em 2024, para o Qapter, solução mundial. Além disso, temos um conjunto de outras soluções, nomeadamente o InPart, que permite à oficina, além de orçamentar, fazer automaticamente a encomenda de peças junto do distribuidor. Disponibilizamos um serviço de apoio técnico, o Autodata, em que a oficina pode ter acesso a apoio e informação técnica e executar as acções de manutenção programada e corretiva. Temos distribuidores do Autodata em Portugal, mas passámos a ser, recentemente, um player ativo na comercialização do mesmo no nosso mercado.
Todas as soluções são assentes cada vez mais em dados e geradoras de dados. Através do
Solera Analytics todos os clientes podem ver a sua performance e, sempre que possível,
fazer um comparativo com o mercado.
Como funciona a solução eDriving?
O eDriving é disponibilizado através de uma app no telemóvel, que regista e mede a qualidade da condução, em fatores como aceleração, travagem, manipulação do telemóvel, excesso de velocidade, entre outros. É um programa de prevenção rodoviária que visa a consciencialização dos comportamentos de condução, através do foco no desenvolvimento de uma cultura sem acidentes. A vantagem em relação à medição de dados telemáticos obtidos pela ficha OBD, é que, neste caso, temos a certeza de quem são dados do condutor, pois tudo é registado a partir do telemóvel. Consoante os inputs, o sistema indica se se trata de um condutor de baixo, médio ou alto risco. Temos apresentado a solução junto de algumas seguradoras, para o desenvolvimento de produtos específicos baseados neste tipo de informações. Além disso, o eDriving, após um determinado conjunto de incidências, liberta vídeos tutoriais, para indicar o que o condutor deve corrigir. Cerca de 94% dos sinistros a nível mundial ocorrem por erro humano e apenas 6% derivam de falhas na via ou no veículo. E isto mostra o potencial de melhoria que existe. Além das vantagens para o setor dos seguros, a redução da frequência da sinistralidade e da sua gravidade ajudam a reduzir o tempo de imobilização dos veículos, mas também do próprio condutor. Outra grande vantagem é a poupança em termos de combustível e, consequentemente, o contributo para a redução da pegada de carbono.
A Solera irá ter alguma solução baseada em modelos preditivos?
Esse é um dos grandes objetivos. Temos múltiplas soluções, que vão convergir numa só. Ao termos informação do tipo de condutor, libertamos a informação do seu nível de risco, temos também acesso a informação sobre onde mais circula, a que horas, a que velocidade, etc. Ou seja, se este cliente tiver um acidente, saberemos baseado em todos os inputs o tipo de peças que o veículo poderá necessitar. O que é mais desafiante é compilar toda a informação, de todos os serviços que disponibilizamos. A nossa prioridade neste momento é a orçamentação digital, para chegarmos a segmentos de clientes que não estávamos a trabalhar com tanta força e que nos desafiam para processos mais digitais. É o caso das gestoras de frota e das rent a cars. Um exemplo é existir uma web app em que o cliente recebe um sms com um link, é guiado a tirar as fotografias ao veículo e submete para a gestora de frota ou rent a car e no final é gerado um relatório de danos e de orçamentação – sem qualquer intervenção humana -, simplificando o processo, para todos os intervenientes. E a Solera, enquanto intermediário, dá credibilidade a todo este processo.
Como se posiciona a Solera no após-venda?
Somos, cada vez mais, uma empresa de dados e esse é o nosso foco principal. Construímos todas as soluções com base nos dados, para percebermos padrões e cruzarmos informação. Estamos cada vez mais virados para o mercado das oficinas independentes, onde pretendemos ter parceiros, e não apenas clientes. Temos oficinas que estão connosco há 20 anos, pois vamos sempre ao encontro das suas necessidades. No setor oficinal, temos cerca de 900 oficinas e grupos reparadores a trabalhar connosco, em que cerca de 40% são oficinas independentes que não estão associadas a nenhum grupo reparador. As redes são outro setor onde queremos continuar a apostar, pois consideramos que o futuro passa por aí. Na Solera libertamos dados para os nossos parceiros, mas, se não os soubermos interpretar, não nos ajudam em nada. E, por isso, a nossa função também é ajudar as empresas a interpretar esta informação e a encontrar pontos de melhoria. Para isto, a formação é essencial, e é outro tema em que temos apostado muito, pois, com a evolução do mercado, é cada vez mais necessária. O nosso trabalho não se esgota em disponibilizar a solução, mas também em dar e receber inputs para fazê-la crescer. Para isso, temos de trabalhar lado a lado com os nossos parceiros. E esse trabalho passa também por promover a orçamentação. Muitas vezes o problema das oficinas é não fazerem orçamentos. Isto acontece tanto nas oficinas independentes, como por vezes nos concessionários que operam em multimarca. Com um pequeno investimento, as oficinas podem conseguir orçamentos com valores reais e ter uma rentabilidade superior, além de terem sempre um tarifário atualizado de peças. Se não há um sistema atualizado, as oficinas não cruzam esta informação, e não conseguem ter a noção do que foi a sua rentabilidade. O mercado tem evoluído bastante, principalmente no setor da colisão, mas a orçamentação deveria ser algo já intrínseco no mercado oficinal.
Em 2018 foi divulgado o InPart dentro da solução Drive. Como tem sido o desenvolvimento desta solução para encomenda de peças?
Há muitas soluções no mercado para peças, sejam originais, aftermarket, ou recicladas. Mas não há um agregador. Ou seja, se a oficina quiser ter a melhor solução tem de pedir cotações a vários fornecedores. Por isso, a nossa 59estratégia passa por agilizar este processo, funcionando como agregadores desta informação. E é aqui que, provavelmente, nos iremos posicionar. Já trabalhamos com muitos fornecedores OEM, e, desde novembro, trabalhamos com o IAM. No início de 2023 vamos também ter uma solução de peças usadas a funcionar. Isto irá dar serviço a todos estes distribuidores, porque fazemos chegar pedidos de clientes que de outra forma não chegariam a esses players.
Outra área que a Solera explora são os dados resultantes do uso das vossas plataformas, através do Solera Analytics…
Sim. Cada utilizador que utilize o Drive, o Solera Auto o eDriving, o Global Inpart,… tem acoplado o módulo de estatística Solera Analytics, para analisar a sua performance, por utilizador, geográfica, peça, veículo, etc. E isto permite-lhes avaliar e tomar decisões. Outra vantagem do Solera Analytics é o facto de os dados estarem estruturados da mesma forma para todos os países em que estamos presentes. O Solera Analytics é um produto numa área vital e que no futuro vai ter ainda mais peso.
Fala-se muito da Inteligência Artifical nas plataformas associados à regularização dos sinistros. É uma realidade cada vez mais atual?
Sem dúvida. Temos um produto, o Visual Intelligence, que se divide em três módulos: o workflow, em que o cliente recebe um link, tira fotografias e envia; temos depois o segundo módulo em que, através das fotos, se conseguem identificar os danos; e o terceiro módulo, que vai definir valores de reparação. O Visual Intelligence é baseado na Inteligência Artificial. Os danos superficiais são fáceis de identificar, mas os danos internos do veículo é uma área mais complexa, onde também já estamos a trabalhar com clientes. E isto permite modelos preditivos. Uma rent a car, por exemplo, pode utilizar o modelo preditivo para que o veículo esteja parado apenas uma vez. Ou seja, no dia que realiza a manutenção, é feita também qualquer reparação necessária, ajudando a reduzir o tempo de imobilização.
Os veículos são cada vez mais conectados. Isso é uma oportunidade para a Solera?
Sim. Além da questão dos dados que esta realidade vai fornecer, poderá gerar mais serviços. Ou seja, se sabemos que um determinado veículo, numa determinada altura, vai necessitar de um serviço de manutenção, pode ser enviada para o cliente, de forma automática, informação acerca de qual será o valor, quanto tempo irá demorar, ou onde a poderá realizar. Aqui, existe apenas uma questão: os veículos vão estar conectados, mas quem terá acesso à informação? É algo que ainda não está definido, mas, obviamente que temos todo o interesse neste serviço, a partir do qual poderemos disponibilizar muitas outras soluções aos nossos clientes. Se conseguirmos prever fatores que ajudem a acelerar os procedimentos do serviço, como selecionar reparadores de forma digital, por exemplo, é algo positivo, tanto para as oficinas, como para o cliente. Além disso, se sabemos que determinado modelo de veículo tem propensão a ter um problema numa determinada quilometragem, podemos avisar o cliente. Ou seja, através da conexão de um único aparelho, é possível ter acesso a uma grande variedade de ações: prever a manutenção, mesmo que não seja programada, fazer a marcação de uma oficina, entre outras possibilidades. E isto tendo sempre o cliente final como parte do processo de decisão.
De que modo a eletrificação dos automóveis vai impactar o negócio da Solera?
Os veículos vão continuar a ter acidentes, por mais autónomos que se tornem. Os elementos de segurança integrados nos últimos anos baixaram os acidentes de forma muito residual. A idade do parque automóvel está nos 13 anos, e os veículos elétricos ainda representam apenas 1% do parque nacional. A manutenção vai continuar a existir, ainda que não seja tão intensa e frequente, apesar de se tornar mais exigente. E aqui o Auto Data, por exemplo, é algo que vai ajudar ainda mais as oficinas, com muita informação. É importante estarmos preparados para a eletrificação e é uma realidade que está cada vez mais presente, mas será algo ainda demorado e gradual.
No website da Solera pode ler-se “a missão da Solera é ser 80% de inteligência… No suporte à gestão do risco em colisão, mecânica ou serviços de manutenção”. Será possível que a intervenção humana seja apenas de 20%?
Terá de continuar a existir alguma intervenção humana, mas em alguns veículos algumas coisas já são feitas de forma remota. Com toda a informação que se consegue ter de uma plataforma, temos de focar todo o nosso tempo naquilo que teremos sempre de executar. O gestor de risco vai ter de lá estar, mas apenas terá de realizar uma parte do trabalho que faz hoje. Vai ter mais tempo para se focar naquilo que traz um valor acrescentado. O mecânico também será sempre necessário, mas irá deixar de ter de fazer uma parte das operações que ainda faz hoje.
Artigo publicado na REVISTA PÓS-VENDA 87, de dezembro de 2022. Consulte aqui a edição.