A ASAE vai reforçar a fiscalização no setor oficinal, garante o Inspetor Diretor Domingos Antunes à Revista PÓS-VENDA, nas áreas relacionadas com propriedade industrial e práticas comerciais e para as questões de segurança e ambiente. As questões fiscais e de impostos não são da competência desta Autoridade.
A recente ação de fiscalização Digitalauto, levada a cabo pela ASAE, que resultou na apreensão de equipamentos e softwares de diagnóstico em 26 oficinas de todo o país deu o mote para uma discussão sobre a eficácia destas ações mas, sobretudo, do papel da ASAE na procura de credibilizar o mercado oficinal (depois da publicação desta entrevista ocorreram duas novas fases da Operação Digitalauto. Leia mais aqui e aqui).
A Revista PÓS-VENDA foi à procura de respostas, numa entrevista com Domingos Antunes, Inspetor Diretor da ASAE e responsável pelas apões inspetivas na área automóvel. Vêm aí mais ações dirigidas sobretudo a produtos contrafeitos, procurando que a concorrência seja o mais saudável possível no mercado. Ainda assim, as queixas relacionadas com questões fiscais e fuga a impostos fogem do âmbito de trabalho da ASAE, ao contrário da informação recorrente que passa no mercado.
Domingos Antunes está na ASAE desde 2012 e esta foi a primeira operação na área oficinal da sua responsabilidade. A operação durou dois meses e envolveu 20 operacionais, além dos elementos das marcas. Foram fiscalizadas 38 oficinas e foram detetadas 26 oficinas com equipamentos ilegais. A taxa de sucesso foi enorme pela parceria com as representantes dos equipamentos de diagnóstico em Portugal.
Como chegaram a estas oficinas?
Fizemos um levantamento do mercado e, de acordo com as nossas análises de risco, entendemos que estas oficinas preenchiam esses fatores de risco e daí o elevado sucesso da operação no que diz respeito a infrações criminais. A ASAE tem vindo a fazer um esforço para direcionar toda a sua capacidade para um verdadeiro mercado paralelo e economia subterrânea. Não vale a pena estar sempre a fustigar aqueles que têm porta aberta e que, à partida, há presunção de cumprirem as regras. Por uma questão de gestão de meios, porque não podemos ir a todo o lado e lidamos com diversas áreas de negócio, devemos capitalizar as nossas energias para aqueles que andam no mercado a violar regras da concorrência.
Como se prepara uma ação destas?
Tudo começou em abril com o levantamento e depois começámos a ir para o terreno em junho porque há procedimentos que levam o seu tempo e tivemos que acertar agendas com os próprios interessados diretos, que são os distribuidores das marcas de equipamentos. Este sucesso só foi possível graças a esta parceria que tivemos porque ninguém melhor do que eles, que estão no terreno, para saberem o que se passa, como e onde, porque são prejudicados na sua atividade comercial por quem vende equipamentos pirateados. É impossível que nós tenhamos esse conhecimento tão profundo do mercado. Combater as ilegalidades é um dever de todos e, portanto, só haverá sucesso se houver esta grande colaboração entre todos os intervenientes, quer consumidores, as autoridades, quer os próprios operadores. Se estivermos em permanente colaboração a taxa de sucesso será cada vez maior.
Isto faz com que tenham uma porta aberta aos operadores do aftermarket?
Há uma características das autoridades e do ser humano, é não conseguirem ser omnipresentes e, portanto, a ASAE, com os recursos que tem, tem que recorrer a estas parcerias para aproveitar da melhor forma os recursos. É fundamental para que consigamos recolher a máxima informação além de termos apoio nas operações para identificar os equipamentos ou peças contrafeitas, o que implica uma grande especialização técnica.
As oficinas que visitaram eram oficinas legais?
Verificámos algumas oficinas legais e outras ilegais no rol de fiscalizados.
Porque escolheram os equipamentos de diagnóstico para esta operação?
Foi através da análise das denúncias, que eram muito credíveis e concretas, o que nos direcionou para um mercado preocupante. Os operadores reclamaram a intervenção das autoridades e a ASAE, que já vinha há algum tempo a estudar o assunto, levou a cabo a ação. Os operadores devem olhar para a ASAE como um parceiro na defesa de um mercado saudável e dentro da lei. No nosso site existe um formulário onde as pessoas podem fazer as suas denúncias, sendo todas analisadas.
Nesta operação fazem também uma inspeção à oficina no geral ou dedicam-se apenas aos equipamentos?
Tivemos que fazer a fiscalização da situação prévia, que é se a oficina está ou não licenciada, mas esta foi uma operação de primeira geração, claramente direcionada para a existência de diagnósticos e softwares pirateados. Focamo-nos nisso porque é necessário um know-how técnico em que tivemos que levar engenheiros das marcas para determinar a existência desses programas pirateados. Verificamos os licenciamentos económicos mas focalizamos os esforços nos diagnósticos. As apreensões de equipamento foram tanto de hardware como de software, além dos computadores associados a essa operação.
É possível que os donos das oficinas não saibam que têm um equipamento pirateado?
Poderia admitir que sim, mas há um fator que me leva depois a contrariar essa ideia. Todas estas pessoas que operam no mercado sabem quais são as condições e, naturalmente, percebem que um equipamento original que custa 2000 euros não pode estar à venda por 200 ou 300 euros. Só há duas hipóteses: ou é um equipamento furtado ou é contrafeito. Para além disso, o mercado digital também favorece as questões do anonimato em que as pessoas adquirem produtos em qualquer parte do mundo, com uma entrega no prazo de 48 a 72 horas. Verificámos haver um o condutor de aquisições por meio digital.
Como é que a ASAE faz depois o tratamento da informação que recolhe, nomeadamente em relação a quem vendeu estes equipamentos?
As pessoas são interrogadas e conseguimos chegar aos sites onde fizeram a compra. De acordo com os elementos recolhidos, com prova testemunhal e documental, já demos os primeiros passos para identificar um circuito de venda e distribuição deste tipo de material e é um processo que se vai desenrolar. Estamos empenhados em desmantelar esse circuito. Mas o meio digital coloca algumas complicações à investigação porque, por exemplo, os próprios sites estão alojados fora de Portugal, depois a informação está numa cloud e precisamos de autorizações e de colaboração de autoridades de outros países, o que nem sempre é fácil.
Mas os operadores do mercado conhecem dezenas de sites e páginas de facebook onde se vende este tipo de equipamentos pirateados. O que devem fazer?
O que fazemos nesses casos é identificar as páginas e comunicamos, por exemplo, ao facebook para as bloquear. Agradecemos que essas páginas sejam denunciadas mas aparecem como cogumelos e por cada uma que é encerrada aparecem outras. Há países que têm controlo sobre a internet mas há outros em que não há registos e não conseguimos aceder à informação que precisamos.
Havia uma marca específica de equipamentos que apreenderam nesta operação?
Há de tudo, mas neste caso houve muito da Delphi e Autocom.
A aquisição de material contrafeito não é feito apenas por via digital e nem sempre dentro do espaço europeu. O material que chega do Oriente tem que passar pela Alfândega. Não devia ser aí o primeiro tampão?
A Autoridade Tributária tem tido uma excelente parceria connosco, trocamos informações e eles também fazem as sua análises de risco sobre o material que chega, mas é impraticável fazer a retenção dos milhares de encomendas que chegam diariamente aos portos e aeroportos. O que é comum é, através de uma análise, fazer a seleção de algumas encomendas e isso ocorre com a Autoridade Tributária e sempre que acontece trocamos informações.
A que tipo de sanções estão sujeitas as pessoas fiscalizadas e que tinham material ilegal? O encerramento da oficina faz parte?
Não, o direito português não permite que as pessoas que pratiquem um crime cessem logo ali a atividade neste tipo de crimes. Incorrem em sanções criminais e contra-ordenações, desde logo por concorrência desleal e utilizar ilegalmente uma marca do aparelho, utilizar um programa específico, com reprodução ilegítima e ainda uma usurpação de direitos de autor. Estamos a falar de uma atividade parasitária, porque o que encontramos são as pessoas que utilizam estes equipamentos pirateados e não quem os pirateou. Estamos a falar de crimes que vão até três anos de pena e em relação às coimas o valor mínimo rondará os 2500 euros.
“Os operadores devem olhar para
a ASAE como um parceiro na defesa
de um mercado saudável e dentro da lei.”
Como foi a reação das pessoas que foram fiscalizadas?
Praticamente todas as oficinas eram pequenas, mas verificamos que existe uma baixa consicência da ilicitude, e mesmo a própria sociedade não tem um juízo de censura elevado sobre este tipo de crime. Há uma grande margem de tolerância.
O que acontece a estes equipamentos?
São apreendidos, sujeitos a peritagens para efeitos de prova por parte de técnicos independentes e depois, se se provar a evidência, são destruídos.
FISCALIZAÇÃO VAI APERTAR
Esta foi uma primeira fase da fiscalização. Quais os planos que têm traçados?
O que desenhamos no nosso planeamento operacional é que esta foi a primeira geração deste tipo de operações, integradas, de forma alargada, nacional, com envolvimento das marcas. Vamos passar para uma segunda e uma terceira geração destas operações em que vamos ver outro tipo de matérias para além dos diagnósticos. Vamos mais além do que isso porque também já temos mais conhecimento. Além disso, a percentagem de oficinas inspecionada é irrisória para o número de oficinas que existem em Portugal. Não nos podemos contentar com estas 38 oficinas inspecionadas.
No setor reclama-se muito a ASAE fazer pouco para fechar oficinas ilegais. Como responde a isso?
Não temos uma visão de repressão, mas de pedagogia no mercado. O nosso esforço está em tentar garantir que todo o material que se usa nas oficinas é original e verdadeiro. Quanto à questão fiscal, de impostos e de IVA não é a nossa intervenção e diz respeito à Autoridade Tributária. Olhamos para as questões de propriedade industrial e práticas comerciais e para as questões de segurança e ambiente. São essas as funções que a lei nos confere.
Que outras áreas deste setor são mais problemáticos?
Há uma segunda geração da ação é que já iniciamos no passado, que diz respeito a peças contrafeitas. Isso para nós é muito grave. Muitas vezes, o próprio consumidor está a pagar por uma peça que julga original e não é, com as consequências graves que daí podem vir. Começamos uma ação com os rolamentos em 2014, com uma grande operação em 2015 e repetimos já este ano. Numa grande ação no ano passado conseguimos detetar uma rede que operava também em Espanha em que apreendemos muitos rolamentos falsificados. Outra área, teve a ver com óleos falsificados, onde vamos voltar. O nosso objetivo é ir alargando a vários tipos de peças. Mas temos que ter a colaboração das marcas porque nem sempre é fácil identificarmos essas situações no mercado.
CONTACTOS
ASAE
217 983 600
correio.asae@asae.pt
www.asae.pt
:: DESCARREGUE O PDF COMPLETO DA ENTREVISTA –> [download id=”13276″]