No momento em que a sua empresa está com uma década de existência, Manuel Cardoso, acredita que o futuro do negócio da manutenção de veículos pesados depende do acompanhamento de todas as disrupções tecnológicas do setor.
ENTREVISTA PAULO HOMEM E NÁDIA CONCEIÇÃO
Manuel Cardoso, um dos Sóciosgerentes da Global Parts, empresa especialista em peças de qualidade premium para veículos pesados, que está a celebrar 10 anos, faz uma retrospetiva do percurso da empresa e revela a estratégia atual e futura que a Global Parts está a adotar, para se diferenciar e manter competitiva neste mercado.
Como é que caracteriza atualmente o negócio da Global Parts?
Nos pesados, a noção de grossista é um pouco relativa. Não há uma segmentação tão evidente como nos ligeiros e os players que vendem peças para pesados são todos caracterizados mais ou menos pelo seu tipo de atividade. O que as distingue é a dimensão e a estratégia ao nível de produto e de segmentação de clientes. A Global Parts é um importador, compra aos fabricantes e vende ao utilizador final, transportadores e oficinas. A Global Parts tem feito o seu caminho e ocupa agora uma posição intermédia, se olharmos para todos os players de pesados em Portugal. Conquistámos o nosso espaço e temos tido um crescimento sustentável ao longo dos anos. Nos últimos quatro anos, duplicámos a faturação. Nos primeiros anos o crescimento foi difícil. Começámos no auge da crise e os anos de 2011 e 2012 foram os piores, o que nos obrigou a ter muito rigor na gestão, o que acabou por ser algo muito positivo. A partir de 2016, com a abertura da loja do Seixal, até 2019, quando inaugurámos a loja em Leiria, duplicámos a faturação.
Pode dizer-se que essas duas aberturas foram os momentos mais marcante da Global Parts?
Sim, são dois grandes marcos na história da Global Parts. Houve outros momentos importantes, dos quais destaco a abertura da Global Parts Moçambique em 2013, que funcionou durante três anos bastante bem. A exportação chegou a representar 35% da faturação, em 2014 e 2015. Entretanto, por vicissitudes do mercado, tomámos a decisão de abandonar esse projeto, e este foi também um passo importante, porque fez com que nos focássemos mais no mercado nacional e abrir no Seixal.
Quais os argumentos que considera diferenciadores na atividade da Global Parts?
Quando a empresa foi criada, em 2010, os operadores procuravam essencialmente preço. E, por isso, vimo-nos forçados, a oferecer essencialmente produto barato. Estávamos conscientes que era uma estratégia a prazo fruto da conjuntura de crise, pois os clientes sempre souberam que a qualidade compensa e justifica o preço. Com a recuperação do mercado invertemos por completo a nossa estratégia, focando-nos exclusivamente no produto de qualidade, nas marcas premium, de primeiro equipamento. Isto aconteceu em 2014, e essa estratégia deu resultado. Cerca de 95% do nosso stock é hoje constituído por produto de primeiro equipamento. E temos vindo a estabelecer parcerias com as marcas de primeiro equipamento, o que nos permite dar boas condições e apoio pós-venda aos nossos clientes. O crescimento da Global Parts tem que ver com esta estratégia. Diferenciámo-nos por isso: oferecer um produto de qualidade, com o preço correto e um serviço que tentamos que seja de excelência. Esta aposta foi fundamental para o nosso crescimento. Porque os operadores sempre souberam a diferença entre um produto de qualidade e de menor qualidade. Mas na altura da crise, a maior parte viram-se forçados a comprar um produto de menor qualidade.
Essa alteração na estratégia de produto tem sido mantida até aos dias de hoje?
Sim. Aliás, quando iniciámos a atividade já tínhamos a ideia que seria a estratégia correta. Mas vimo-nos deparados com uma situação de pouca liquidez no mercado e que por isso o cliente procurava outro tipo de produto.
Irão introduzir novas marcas no portfólio?
Atualmente, temos as principais marcas do negócio de pesados. Temos, na área da travagem, os dois principais fabricantes: a Knorr-Bremse e a Wabco. Recentemente, fizemos também um acordo de distribuição com a Bosch. Além disso, temos a Valeo, a Textar, a ZF, ou seja, temos a maior parte das marcas deste setor. Desde a peça mais pequena, passando pelos lubrificantes, até às baterias, temos oferta de produto de primeiro equipamento em todos os segmentos. Nas baterias trabalhamos Yuasa e Bosch e nos lubrificantes apenas vendemos Petronas, primeiro enchimento na Mercedes e no grupo Fiat. Não temos marcas económicas no nosso portfolio. É certo que essas marcas também se adaptaram à realidade do mercado. Eram marcas muito caras e hoje em dia tornaram-se mais acessíveis, algumas até com segundas marcas. Para este ano não temos previstas novidades. Os dois últimos contratos de distribuição que fizemos foram com a Wabco e a Bosch em 2019. Poderá aparecer uma oportunidade, mas não temos nenhuma previsão.
Para além das peças para camiões, também trabalham peças para autocarros e
semirreboques?
Trabalhamos a área de semirreboques, os autocarros são um segmento onde não atuamos. É um mercado que tem algumas particularidades, pois existem alguns especialistas que trabalham muito bem esse mercado. Temos parcerias com alguns desses especialistas e, para já, não faz parte da nossa estratégia. No caso dos semirreboques, representam uma fatia do negócio muito mais pequena do que a dos camiões, mas vamos ampliando a nossa oferta. É um segmento muito competitivo, onde os fabricantes dos eixos têm canais de distribuição próprios, com distribuidores, representantes em Portugal e até com redes de reparação.
O que representam os semirreboques no negócio da Global Parts?
Atualmente, os semirreboques representam menos de 1/3 do nosso negócio. Fizeram um acordo na área dos equipamentos com a Jaltest… Sim. Sempre trabalhámos os equipamentos de diagnóstico da Jaltest, mas fazíamo-lo num acordo tripartido com um agente da Jaltest em Portugal que já contemplava acesso à formação e a contacto direto com a Jaltest. Há quatro anos passámos a ter uma relação direta, com todas as vantagens que isso significa ao nível das condições que podemos oferecer ao mercado e ao nível da rapidez com que podemos responder. E, de facto, os resultados aumentaram exponencialmente desde esse acordo. Investimos muito nesta área, temos hoje um conjunto grande de clientes com equipamentos fornecidos por nós e fazemos duas formações por ano, em média, da Jaltest.
É algo complementar ao vosso negócio?
Sim, capacitamos os clientes, que podem assim reparar melhor e mais vezes. Se capacitarmos os clientes, vamos continuar a ter clientes. Se não os capacitarmos, alguém irá fazer o trabalho que o nosso cliente não irá conseguir fazer. Foi mais um passo fundamental para o nosso negócio.
Considera que este negócio potencia a venda de outro tipo de serviços na área
da telemática?
Não entrámos na telemática, por enquanto. Não vimos ainda o nosso espaço nessa ligação e qual será a mais valia que possamos acrescentar do ponto de vista do cliente. É algo distinto, é algo que vai de quem desenvolve o produto, ao utilizador final. É difícil existir aqui um distribuidor pelo meio, alguém que preste apoio. O equipamento de diagnóstico tradicional é para um diagnóstico in situ, e a telemática é para fazer um diagnóstico à distância, e está associada à componente preditiva. Não é necessário ter um equipamento de diagnóstico na oficina para fazer um diagnóstico à distância mas certamente será necessário para efetuar a reparação.
Para além do equipamento de diagnóstico, vendem outro tipo de equipamentos às oficinas?
Não é o nosso negócio, mas temos parcerias com dois grandes distribuidores de equipamentos oficinais em Portugal e conseguimos responder às solicitações dos clientes
nessa área. Mas não temos acordos com fabricantes.
Muitos operadores estão a apostar na abertura de diversas filiais, tal como vocês. Essa é a estratégia correta?
Pensamos que sim. Vamos abrir noutros locais e achamos que é a estratégia correta porque a proximidade é um fator muito importante. Hoje em dia a logística é muito rápida, mas ainda assim, o fator proximidade tem um peso muito importante na venda dos componentes. É muito importante estarmos próximos dos nossos clientes. Quanto mais perto estivermos, maior será a capacidade de resposta. E o nosso crescimento será por aí, replicar o nosso stock em localizações específicas. Sustentar as operações que temos atualmente. O Seixal
está maduro, Leiria começou há cerca de um ano, e tem de solidificar.
Há mercado para tanto investimento por parte de tantos operadores?
Penso que sim. Cada operador quer conquistar o seu espaço, ganhar quota de mercado e crescer. Estudamos o mercado, a zona geográfica, percebemos se há ou não espaço para nós. O fator humano aqui é fundamental. Se não tivermos a equipa certa, o projeto não funciona. O maior investimento deve ser feito nessa área. O mercado hoje em dia carece muito de profissionais.
A globalização do mercado tem vindo a fazer com que alguns operadores assumam acordos com operadores internacionais. O que pensa a Global Parts sobre isto?
Temos uma operação em Espanha desde o início, a Global Parts Ibérica. Não temos nenhum acordo com grupos internacionais, mas poderá ser uma situação a ser avaliada no futuro, se aparecer uma oportunidade que nos faça sentido. É uma tendência de muitos operadores, a de estabelecerem acordos com grupos internacionais. Pelo que acredito que existam duas vantagens: a primeira é o acesso a algumas marcas, com condições interessantes, que de outra forma não teriam; por outro lado, tendo em conta a pressão sobre as margens nos últimos anos,pertencer a um grupo provavelmente trará alguma vantagem financeira, em termos de acordos de rappel.
Nos últimos quatro anos têm aparecido algumas empresas a dinamizar conceitos
oficinais. Pretendem seguir nesse sentido?
De modo próprio não. Temos assistido aos grupos internacionais trazerem para Portugal conceitos que já estão montados noutros países. Não pretendemos criar nenhuma rede de oficinas, mas já estamos envolvidos com uma rede de oficinas, :temos um acordo com a AllTrucks, uma das redes oficinais que consideramos ter mais potencial, porque têm por trás três marcas muito importantes: a Knorr-Bremse, a ZF e a Bosch. E nós somos distribuidores das três marcas em Portugal, o que nos aliou, de uma forma natural, ao projeto AllTrucks.
Identificam-se com esse conceito?
Reconhecemos vantagens inegáveis para as oficinas e para os operadores neste conceito. Mas é um projeto que ainda está numa fase embrionária, tanto em Portugal como
no resto da Europa.
Pretendem vir a levar alguns dos vossos clientes para estas redes?
Estamos a fazer esse trabalho, em conjunto com a AllTrucks. Temos já acordos comerciais com três oficinas que têm por base o projeto AllTrucks e queremos continuar a fazê-lo. Acreditamos muito no projeto, fundamentalmente porque conhecemos muito bem as três marcas que estão por trás. Neste projeto as peças serão o que menos impacto tem para as oficinas, o que há aqui é a importância do apoio técnico.
Têm apostado cada vez mais em formação técnica. Entendem que será a estratégia correta?
Sim. É algo que entendemos como natural e que faz parte do nosso plano de atividades.
No início do ano elaboramos um plano de formação técnica. Este ano vamos incidir na área da travagem, diagnóstico, caixas de velocidades, que são áreas que têm tido uma grande evolução tecnológica nos últimos anos e onde existe maior necessidade de formação. Neste momento a eletrónica numa caixa de velocidades, por exemplo, é muito significativa e os clientes precisam de saber como intervir nesses componentes.
Têm um responsável técnico que faça a ponte de ligação com os vossos clientes?
Sim, o Leonel Vinagre é o nosso Diretor Técnico, que acumula com a função de gestor comercial, e que tem ministrado várias ações de formação e dá o acompanhamento e assistência dos equipamentos Jaltest aos nossos clientes. Irá começar, este ano, a dar formação certificada.
Por que razão se continua a investir tanto no mercado de peças para pesados?
Para darmos o melhor serviço possível aos nossos clientes. Em 2019 crescemos 16% relativamente ao ano anterior. O crescimento continua de forma sustentável e assente na prestação de um serviço que entendemos que é cada vez mais valorizado. Se prestarmos um bom serviço e oferecermos vantagens para o cliente, temos o nosso espaço. O setor tem evoluído muito em termos tecnológicos.
Os camiões Euro VI já começam a ser reparados nos independentes… como olham para isto? Poderá causar problemas?
Estamos a tentar dar esta resposta, capacitando as oficinas para intervir nessas viaturas. Algumas oficinas, se não investirem fortemente nos próximos anos, não serão viáveis. Mas há bons exemplos de oficinas que estão a formar e contratam especialistas ao nível da eletricidade e eletrónica, que são essenciais hoje em dia para um mecânico, porque tem de saber interpretar esquemas elétricos, que são fundamentais.
Preocupa-o a falta de mão-de-obra ao nível da mecânica neste setor?
Sim, sem dúvida. É um problema de muitos dos nossos clientes. No nosso setor também existem poucos especialistas e poucos mecânicos com boas competências técnicas. Há um grande problema de retenção de recursos humanos. Penso que aquilo que falha é o sistema de educação, e é um problema estrutural da nossa sociedade. É algo que afeta o negócio e à medida que a exigência tecnológica e de conhecimento aumenta, se as oficinas independentes não se capacitarem, as marcas irão ficar com o mercado.
Este é um mercado com muitos operadores de peças usadas, recondicionadas, etc. São vossos concorrentes…
Há espaço para esse produto no mercado. Os clientes, em muitos casos, procuram
esse tipo de produto, reparado ou usado. O que nos preocupa mais são os operadores
que simultaneamente vendem peças novas e usadas. Esses são concorrentes mais difíceis de distinguir porque, muitas vezes, se misturam um pouco os dois conceitos. As peças usadas sempre existiram e irão existir, e não vejo isso como um problema.
Têm alguma plataforma B2B?
Estamos a desenvolver um projeto nesse sentido. É uma área complexa, que exige um grande investimento, tanto ao nível financeiro como de recursos humanos, porque queremos lançar uma plataforma de referência e não apenas mais uma plataforma. Queremos que este portal seja fiável, útil e que seja valorizado e utilizado pelos nossos clientes. Não pensando que seja uma necessidade absoluta dos clientes hoje, é algo que irão valorizar quando oferecermos e que poderá ser bastante útil. E a gestão de stocks, de devoluções, reclamações, garantias, serão vantagens que o portal irá trazer, por outro lado, para a Global Parts.
Artigo publicado na Revista Pós-Venda Pesados n.º 26 de novembro de 2019. Consulte aqui a edição.