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Victor Videira, BASF: “O futuro vai ser de processos cada vez mais rápidos e com menor intervenção humana”

Victor Videira está à frente do negócio e estratégia da R-M e da Glasurit em Portugal, duas marcas pertencentes à centenária e muito dinâmica BASF. 

A BASF é uma das maiores empresas químicas do mundo, e desenvolve duas maiores das marcas premium de repintura: a R-M e a Glasurit. Victor Videira, Managing Director da BASF Coatings, explica, em entrevista à REVISTA PÓS-VENDA, a posição atual e os desenvolvimentos futuros destas duas marcas do grupo, que passam, além de outras vertentes, por uma forte aposta na formação.

Há quanto tempo está na BASF e a dirigir a atividade da R-M e Glasurit em Portugal?
Estou na BASF há 18 anos. E há sete anos que sou responsável pelo negócio da R-M da Glasurit e da Rodim em Portugal. A BASF tem ainda outra marca de repintura, a Baslac, um projeto internacional, lançado há dois anos, e que surge por existir uma necessidade de mercado. A Baslac destina-se a um segmento de mercado mais baixo, não o segmento premium que trabalhamos com a R-M e a Glasurit.

Como posiciona a R-M e a Glasurit no mercado?
São duas marcas concorrentes e destinadas ao segmento premium, mas com géneses distintas. A R-M nasce nos Estados Unidos e foi comprada pela BASF em 1986, passando a ter sede em França, o que levou a que a marca tenha relações estreitas com os fabricantes franceses. Está muito relacionada com os fabricantes automóveis, pois fabrica tintas para o primeiro equipamento a nível mundial. A Glasurit nasce na Alemanha, no grupo BASF, e, por isso, a relação é mais estreita com os fabricantes alemães. As duas marcas usufruem de investigação e desenvolvimento comuns, mas por vezes com timings diferentes de introdução de produto. Neste momento existe uma necessidade de consolidação do mercado, há muita tensão para que as marcas premium se tornem marcas cada vez mais competitivas. A evolução da tecnologia automóvel aumentou a exigência, mas também está a reduzir cada vez mais o mercado em termos de volume, devido à tecnologia dos veículos, que reduz as colisões.

As duas marcas têm a mesma importância e estão em setores diferentes do mercado em Portugal?
Sim, ao nível da estratégia e dos recursos, são muito equilibradas. Mas existem penetrações diferentes, pelas suas diferenças de génese, pois há segmentos específicos dentro de algumas áreas. A Glasurit é uma das marcas mais antigas no mercado português e é uma das maiores fabricantes europeias para o setor dos autocarros. A R-M tem, por sua vez, uma maior penetração a nível de zonas, pois cresceu principalmente junto dos clientes no norte do país. Temos um modelo misto, de venda direta e distribuição. Por natureza, a BASF está no setor dos OEM, das redes recomendadas das marcas, porque temos uma posição dominante ao nível de homologações, somos um dos fornecedores recomendados, e em alguns casos até exclusivos, junto de alguns fabricantes. E isso dá-nos uma capacidade de estarmos mais próximos desse segmento. Há grandes grupos fornecidos pela Glasurit. Mas o mercado multimarca, das oficinas independentes, continua a ser outro segmento em que queremos crescer, porque no nosso país existe uma grande concentração em Lisboa e Porto, que é onde atuamos com a venda direta e onde está concentrado cerca de 50% do volume total que temos no país. Cada uma das marcas está mais presente junto de determinados grupos. E os grupos são fundamentais para crescer, porque são uma forma rápida de chegar aos objetivos.

A vossa presença junto dos grupos de retalho automóvel é mais significativa do que junto das oficinas independentes?
A nível de distribuição, a nossa penetração é muito elevada ao nível do mercado independente, para as duas marcas. Na venda direta, e em termos de valores, o peso é diferente. Temos mais clientes independentes, mas os grupos têm um peso enorme na nossa faturação em termos de volume. Por sermos uma multinacional, existem algumas exigências, que nem todos têm a capacidade de cumprir, e, por isso, estamos focados numa determinada tipologia de cliente. Pelo nível de serviço que queremos prestar aos clientes, não seria possível termos como clientes algumas oficinas que não representam volume para o nível de serviço que queremos prestar.

O vosso negócio de distribuição é feito diretamente pela marca…
Sim, na generalidade, mas temos alguns grupos de retalho onde estão localizados os distribuidores e onde muitas vezes procuramos colaboração. Fazemos toda a componente de assessoramento do grupo, das auditorias, da apresentação dos KPI´s, do pensar em conjunto com o cliente sobre o seu projeto futuro e de como podem ser mais eficientes, ajudando-os a conquistar mais trabalho, trazendo mais trabalho às oficinas. E a entrega é feita pelos distribuidores locais, por uma questão de proximidade.

O que representa o mercado de oficinas independentes para a BASF?
Representa cerca de 30% da faturação anual da empresa. O resto é o mercado oficial e os pequenos segmentos específicos da Glasurit.

A BASF está satisfeita com os seus parceiros de distribuição?
A BASF tem mantido os mesmos distribuidores há alguns anos nos produtos R-M e Glasurit. Se queremos ser um dos maiores playeres nacionais e isso só é possível através de uma distribuição eficiente. Queremos ter parceiros de negócio, independentemente da sua dimensão, que prestem um bom serviço e estejam de acordo com a estratégia do grupo. Mas estamos sempre a avaliar novos parceiros, principalmente em zonas onde não existe tanta penetração dos nossos produtos. Nas ilhas, gostaríamos de ter uma distribuição diferente da que temos e há cerca de dois anos introduzimos um novo distribuidor da marca Glasurit no Algarve.

O cliente oficinal cada vez faz menos stock. Será um aspeto que se irá manter?
É um fenómeno que não é novo, e que a situação pandémica veio acelerar, porque as oficinas tiveram de se adaptar, o que fez com que exista mais necessidade de uma proximidade diferente e um aumento da frequência de pedidos. Penso que será um fenómeno que se irá manter. Não temos venda de balcão, enquanto venda direta, mas toda a nossa distribuição por natureza tem balcão, porque trabalha com clientes de maior proximidade. A nossa estratégia requer uma distribuição próxima dos mercados.

Em Espanha, alguns grossistas de peças estão a entrar também no negócio das tintas. Considera que é algo que se irá verificar em Portugal?
É algo que já acontece em vários países da Europa e alguns são nossos distribuidores, que vão procurando formas de trazer faturações adicionais e crescer em volume. Em Espanha esse processo está mais evoluído, pois é um mercado com uma capacidade e volume diferentes. Mas o produto pintura precisa de um serviço e assistência técnica para o qual muitos não estão ainda capacitados, o que obriga os grossistas a reformularem a forma como atuam. E esse é o principal entrave para que este fenómeno não se esteja a observar em Portugal. Mas nesta área também existe uma cada vez maior concentração de players e uma iberização do mercado. Se este processo de concentração se mantiver, as coisas poderão acontecer de forma mais rápida do que se pensa hoje em dia.

Para além das tintas, também comercializam produtos “no-paint”…
Sim, comercializamos produtos como lixas, papel, fita, sob a marca Rodim. A marca foi introduzida em 2011 e tem vindo a crescer: começou nos produtos de maior rotatividade, de forma a consolidar a sua oferta e neste momento somos capazes de oferecer entre 60% e 70% dos produtos que uma oficina precisa. Neste tipo de produtos lançamos também de forma constante muitas novidades e teremos em breve lançamentos relativos a novas tecnologias, que tornam os processos mais eficientes. Estes produtos aparecem também no mercado sempre com a chancela BASF, pois tornar a BASF mais conhecida faz parte da estratégia do grupo.

Quais as tendências atuais do mercado de repintura?
Há duas tendências que são gerais e que no nosso grupo são fundamentais: a rapidez dos processos e a sustentabilidade, apesar de uma grande parte das oficinas ainda serem pouco sensíveis a esta necessidade. Sendo um fabricante de químicos, temos uma grande responsabilidade e temos vindo a fazer esforços tremendos neste sentido, apostando na reutilização e reaproveitamento de produtos, sem retirar a qualidade do produto final. Nas nossas fábricas, mais de 60% da energia que hoje utilizamos é verde. Enquanto fabricantes fazemos este esforço adicional, para reduzirmos a nossa pegada ecológica. E os nossos produtos refletem isso: não só serem eficientes no processo, mas também a questão ecológica. Criámos, por exemplo, uma nova linha de vernizes, eco eficientes. O mercado português é difícil neste aspeto, com muitos operadores de menor dimensão e pouco eficientes, que muitas vezes procuram o preço, em detrimento da eficiência do produto ou da sustentabilidade.

O que está a BASF a preparar em termos de produtos e serviços para o futuro?
Os novos produtos são algo constante, que surgem por necessidades identificadas e exigências dos fabricantes automóveis. Além da digitalização, a luz ultravioleta é claramente o futuro, pois também são eficientes ao nível energético e de gerarem menos desperdício. A tecnologia ultravioleta permite uma secagem muito mais eficiente e a BASF está a realizar investimentos neste aspeto. Esta técnica, ajuda a eliminar determinadas etapas, garantindo a qualidade, resistência física do produto, tornando o processo mais rápido, além das questões relativas à ecologia. Por vezes as tecnologias esbarram na falta de desenvolvimento suficiente dos equipamentos. É preciso haver equipamentos adaptados aos novos produtos. O futuro vai ser de processos cada vez mais rápidos e com menor intervenção humana. A formação passa a ser digital, e as dúvidas passam a ser tiradas no momento, com óculos virtuais que permitem correções sem o técnico estar presente. Há uma tipologia de oficinas em Portugal que ainda não estão preparadas, e que terão de fazer investimentos de formação, produtos e equipamentos. Além disso, iremos lançar uma plataforma, uma solução cloud, denominada Refinity e que será divulgada a partir do segundo trimestre deste ano. A plataforma Refinity irá permitir fazer correções mais rápidas no processo de repintura e maior capacidade de resposta. Mas vai muito mais além: passa a ser também uma plataforma de formação, vai ter uma livraria de processos, permite realizar assessments, KPI´s, e pode ser acedida a partir de qualquer tipo de dispositivo. Tem ferramentas de auditoria que funcionam de forma remota e assim é mais capaz de adicionar valor e informação ao cliente. Haverá outras novidades disruptivas que vão ser anunciadas em breve, com conteúdos e soluções que tentam dar resposta a necessidades que são claramente identificadas, mas que vão para além da pintura e do fornecedor BASF. E o projeto não vai parar de crescer, depois disso haverão outras novidades, porque a integração começará a ser total. Esta ferramenta vai ser um agregador que irá integrar todas as soluções de software que a oficina necessita.

A BASF tem feito grandes mudanças nos seus centros de formação na Europa. Quais os motivos que levaram a tantos investimentos?
Estes investimentos surgem fruto das novas necessidades e pelo modo como vemos hoje a formação. Era importante realizar investimentos nos centros de formação da Alemanha, França, Itália e Espanha, assim como noutros locais da Europa, pois já existia essa necessidade de renovação, por serem dos mais antigos na Europa e, por isso, já não se coadunavam com a forma como pretendíamos os espaços e não permitiam a flexibilidade, que é fundamental, e os equipamentos também tinham de ter um tipo de tecnologia mais atualizada.

Como vê a formação nesta área em Portugal?
A BASF realiza grandes investimentos em formação, mas são muito poucos os técnicos que se mantém na área ou no país ao fim de alguns anos. Um dos problemas nesta área é a falta de mão de obra, daí a nossa necessidade de criar maior atratividade, transformando a ideia que existe das áreas de pintura que já estão obsoletas, na tentativa de fazermos a nossa parte de tentar atrair um segmento mais jovem. Portugal precisa de dar um passo importante na formação e capacitação dos técnicos, também com a integração das pessoas desempregadas e dando-lhes competências para integrarem uma nova profissão. E aqui a questão da remuneração tem de ser repensada ao nível dos operadores. Caso não aconteça, a médio prazo vamos ter um problema grave de mão de obra. Há um trabalho que as associações e os seus associados deveriam realizar. É preciso tornar estas áreas mais atrativas para os profissionais em termos de remuneração. Muitos cursos abrem e estão vazios, quer de chapa quer de pintura. Além disso, falta também muita formação ao nível da gestão oficinal. E, aqui, a forma de estar da BASF tem sido diferente, em ambas as marcas, desde as auditorias, em que identificamos onde estão as oportunidades de melhoria dos clientes, ajudando-os a implementar processos de melhoria, onde se incluem ações de formação. E a formação não se limita aos técnicos, é para os gestores de pós-venda, para os administradores dos grupos, etc., para que se faça uma boa orçamentação, conheçam as regras fundamentais, melhorem a eficiência do processo produtivo, aprendam a gerir KPI´s, etc. Temos vindo a fazer um trabalho junto dos fabricantes e das suas equipas de pós-venda, assim como aos seus clientes, em que os ajudamos a desmistificar a questão dos custos dos produtos para melhorar a eficiência do processo, entendendo que não vendem pintura, mas sim vendem tempo. E o tempo é o que dá a rentabilidade. É importante pensar como um todo: os centros de formação têm um papel importante e têm de estar mais próximos das empresas, adaptando-se à realidade. Há uma parte teórica importante, mas há que incluir outros conceitos na formação, a importância dos processos serem cumpridos com rigor, do tempo das operações, do benefícios da eficiência e da rentabilidade na operação, o cuidado pela saúde de quem produz, a organização e limpeza das áreas. Tudo isto resulta numa mudança da atratividade destas funções. Em Portugal é importante a inclusão: as empresas têm de apostar na mão de obra vinda do estrangeiro, e há que criar mecanismos para facilitar estes processos. E as escolas têm de estar também vocacionadas para melhor integrar estes técnicos.

Estão envolvidos no desenvolvimento de algum equipamento?
Há empresas especialistas e que desenvolvem estes equipamentos. Temos alguns projetos, mas devido aos custos elevados, são equipamentos que dificilmente se tornam rentáveis. A maior parte destas soluções fazem sentido ser aplicadas em oficinas com cargas de trabalho muito elevadas, e isso é algo que pouco acontece em Portugal. Temos poucos operadores com carga de trabalho que justifique este tipo de equipamentos.

Como caracteriza as oficinas independentes de repintura em Portugal?
Há uma evolução e temos bons exemplos em Portugal, onde temos bons profissionais. Em Portugal, devido ao custo de aquisição de um automóvel, o cliente tem uma grande exigência na reparação, em comparação com outros países. Devido à pandemia, existiram muitos cortes, que levaram a uma deterioração de alguns processos, mas, na generalidade, esta é uma área que tem vindo a fazer um esforço para melhorar. Os desafios virão quando começarmos a falar da eletrificação e dos veículos autónomos, porque a reparação vai trazer uma maior responsabilidade. Há uma quantidade de fatores que vão exigir que as empresas invistam na formação e nos equipamentos, se não dificilmente poderão acompanhar.

Tem havido no mercado cada vez mais utilização indevida de tintas de base solvente. Isso tem crescido?
Enquanto BASF não vendemos. Temos exceções, porque exportamos para os PALOP e porque produzimos tintas para veículos clássicos, que estão previstas na lei. Mas, no mercado, a meu ver, já existiu em maior quantidade do que existe atualmente

Artigo publicado na Revista Pós-Venda n.º 78 de março de 2022. Consulte aqui a edição.

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